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Um sol de rachar. Roupas extremamente quentes. Bruno nem tinha um guarda chuva ou um boné para se proteger do sol. Caminhava pela avenida a passos largos, com meia duzia de livros debaixo do braço, fazendo esforço para não desmaiar naquele calor insuportável.

“Você vai se dar bem na capital, querido” dizia sua vó, e ainda dizem que as avós sabem de tudo. Lugarzinho feio este, pensava ele. Depois da formatura me mando daqui.

Bruno chegou na sua quadra e avistou uma velhinha vindo em sua direção, carregava compras num carrinho, mas vinha andando com dificuldade, o carrinho estava pesado. A velhinha deixou o carrinho tombar para o lado e o tomate e o mamão rolaram na calçada. Bruno abaixou-se e ajudou a pobre senhora. Ela sorriu dizendo muito obrigado meu filho e parou. Os dois ficaram parados um olhando pro outro, Bruno ficou sem graça e sorria sem motivo. Pareceu uma eternidade.

- Eu não conheço você? - perguntou a velhinha.

- Acredito que não – respondeu Bruno. - Eu me mudei mês passado para esta rua. Ainda não conheço os vizinhos.

-Qual seu nome? - perguntou a velha, que para Bruno parecia ter 180 anos e cheiro de alguém com 180 anos.

-Bruno – respondeu Bruno, após devolver o mamão ao carrinho.

-Hummm. Acho que não conheço você mesmo – disse a velha.

- Não mesmo – disse Bruno, e foi saindo, com um sorriso sem graça.

- Espere Bruto – disse a velha, errando o nome do garoto.

- Bruno! - corrigiu Bruno.

A velha olhou-o nos olhos.

- Vai chover,filho – disse ela.

Bruno levantou as sombrancelhas, “velha doida”, pensou.

- Será? - disse ele.

-Sim. Daqui a pouco vai cair um toró – confirmou a velha.

Bruno olhou em direção ao sol, quase fica cego.

- Se chover hoje eu danço tango na lua, vovó – disse ele.

A velha ficou seria de repente. Bruno já estava inventando uma desculpa para a píada sem graça quando a velha caiu na gargalhada e disse:

- Cuidado com suas promessas meu filho, um homem de verdade costuma cumpri-las.

- Eu digo que danço se chover e vou cumprir a promessa. Caso chova é claro.

A velha sorriu novamente, os olhos apertados naqueles oculinhos de grau.

- Está bem.

A velha seguiu seu caminho, puxando o carrinho de compras. Bruno pensou: “velha doida”, e seguiu seu caminho para casa. A poucos metros, o primeiro pingo caiu. Mais um e mais um. Antes que ele pudesse abrir a porta a chuva engrossou. Todos os seus livros molharam. Bruno olhou para trás e ficou perplexo, mas pensou: “pura coincidencia a vovó acertar que fosse chover”, e sorriu sem graça. Nenhuma chance de dançar na lua, disse ele, gargalhando em seguida

Choveu a noite toda, a chuva não parava. De manhã ainda estava chovendo. Bruno ficou feliz que não tinha sol, mas não parava de chover. Ele vestiu sua capa de chuva, suas botas e saiu. Chovia cantaros. Ele então foi andando até a o ponto de ônibus, mas não havia onibus. Um alagamento atrapalhava a passagem num determinado ponto. Ele então pensou em voltar, mas era uma aula sobre Antropologia, o professor não repunha aulas, mesmo se o sol explodisse e o universo fosse engolido por um buraco negro.

Ele procurou um taxi, mas não encontrou nenhum, a falta de ônibus lotara todos os taxis.

Foi a pé, procurando lugares onde se abrigar da chuva.

Choveu a manhã toda e não havia sinal de que fosse passar a chuva. No intervalo Bruno ouviu comentários de que havia alagamentos em toda a periferia da cidade. Alguns moradores foram para abrigos, levados pela Defesa Civil.

A chuva continuou até no final da tarde, reduziu e parecia que ia terminar, mas começou de novo. Bruno decidiu ir ao mercado comprar pão. Vestiu novamente a capa de chuva e saiu, pisando nas poças de água. Morava no centro, e já estava tudo alagado.

Ele comprou os paes e levou yogurte. Na fila do caixa encontrou a velhinha do dia anterior, tentou falar com ela, mas a velha não ouviu ele chamar.

Do lado de fora do mercado Bruno alcançou a velha e disse:

- A senhora disse que ia chover e está chovendo!

- E quem é você filho? - perguntou ela.

- Sou o rapaz de ontem, que ajudou a senhora com as compras!

A velha arregalou os olhos e disse:

- Bruto?

- Bruno – corrigiu Bruno. - Meu nome é Bruno.

- Claro que lembro – disse a velha, sorrindo. - Como eu poderia me esquecer da sua promessa!

- Que promessa? - disse Bruno.

- Você disse que iria dançar na lua se chovesse, ora essa.

- Eu disse?

Breve silêncio.

- Ah sim – exclamou Bruno. - Eu disse mesmo, mas foi brincadeira.

Os dois ficaram olhando um pro outro. A velha fechou a cara.

- Mas me diga – falou Bruno sem jeito. - Essa chuva não vai embora?

- Eu não sei – responde a velha. - Não sou Deus meu filho.

- Mas a senhora adivinhou que iria chover!

- Sim, claro. Mas ai é outra coisa. Não depende de mim a chuva ir embora.

Bruno não queria perguntar, mas perguntou:

- Depende de quem?

- De você – respondeu a velha, os olhos brilhando.

- A senhora não tá falando serio!

- Claro que estou. E você deve cumpri sua palavra, afinal, a palavra de um homem deve ser cumprida, homens são homens!

Bruno ia sorrir, mas a velha estava seria. Ele tinha feito uma píada apenas, não iria cumprir a promessa de dançar tango na lua. Nem sequer era astronauta.

Então ele percebeu que estava acreditando em algo que não era para se acreditar: que a velha predissera o futuro. Que ela sabia realmente que iria chover, e choveu.

Ele ia chamar a velha de doida, mas perguntou:

- E se eu me recusar a dançar tango na lua, o que acontece?

A velha ajeitou a sacola de compras no ombro e disse:

- Então vai chover para sempre meu filho.

- A senhora é alguma bruxa? - perguntou Bruno, sem hesitar.

A velha saiu, ofendida, resmungando coisas.

Bruno atalhou-a e disse:

- Se isto for verdade, pode acontecer um diluvio. E eu não posso dançar na lua. É impossivel.

- Dê seu jeito – falou a velha, sem parar para conversar.

Ela apressou os passos, mas mesmo assim era como se ela carregasse toneladas nas costas. Bruno a viu seguir caminho, rastando as sandálias nas poças, sem olhar para trás. A chuva caia pesada e contínua. Não havia sinal de que iria parar de chover.

A noite Bruno teve um sonho. Estava parado em frente a um imenso navio, no porto. Mas não era um navio, era uma arca.

Um homem barbudo chegou próximo a ele e disse:

- Você caiu também né!

Bruno olhou o homem de cima a baixo. Ele vestia um terno azul, velho e gasto. Tinha a aparencia de um mendigo, mas falava como um homem de boa posicao.

- Quem é você? - perguntou Bruno.

- Hoje não sou ninguém - respondeu o homem. - Mas meu nome é Bartolomeu. Eu também passei por isso que você está passando. Tenho dó de você meu amigo.

Regi Ferreira
Enviado por Regi Ferreira em 05/01/2018
Código do texto: T6217908
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