Utopia

Cada um tem sua história, assim como eu tenho a minha, mas a vida nos apresenta alguns episódios que muitos apagariam da memória se pudessem, mas eu não, por muitos anos guardei em segredo estes acontecimentos que só agora vou relatar. Já fiz muitas coisas na vida das quais me arrependo, mas não fiz coisas das quais me envergonho e por isso tomei coragem para revelar este caso a seguir.

Logo depois de servir a pátria comecei trabalhar no setor mobiliário numa pequena fabrica perto de onde morava em Guaíba, mais ou menos dois anos depois, eu já era um profissional da área e fui laborar em Porto Alegre, numa empresa situada no bairro Floresta, não sei bem porque, nesta época, andei bem isolado das pessoas, não freqüentava festas, não ficava nos churrascos que a empresa promovia para aproximar os funcionários, nem mesmo das “reuniões” ao final das tardes no bar da esquina eu participava, mas havia uma coisa que eu gostava muito, e até hoje gosto, que é cinema, durante aquele ano eu assisti mais de cinqüenta lançamentos de filmes, era meu divertimento favorito nas horas de folga.

Numa terça feira, feriado de carnaval, sai do cine Imperial ao final da tarde e segui caminhando pela Rua da Praia, em seguida vi que o cadarço do meu sapato estava desatado, parei em frente a um prédio que tinha em sua vitrine uma pequena murada e apoiei o pé para enlaçar o cordão, neste momento notei que havia uma moça sentada no local, me olhou, sorriu e disse com uma voz angelical.

– Sapatos não combinam com carnavais.

Respondi sem pensar:

– Eu também não.

A moça sorriu novamente e disse:

– Pensei que era só eu que não gostava desse tipo de festa.

A conversa começou a andar:

– Muita gente não gosta. Eu por exemplo, prefiro ir ao cinema.

– Eu também. – disse ela – mas só se for um ótimo filme.

Eu era muito tímido, mas tomei coragem, e investi:

– Suponhamos que eu te convidasse para assistir a sessão das oito?

Por um momento ela ficou pensativa, parecia mais tímida do que eu, mas em seguida respondeu em tom de brincadeira.

– Suponhamos que eu aceite. Já são 19h40min vamos indo, para não nos atrasar.

E assim aconteceu, fomos até o cine Vitória e assistimos um ótimo filme chamado “Sahara”, estrelado pela bela Brookie Shields.

Saímos por volta de Dez da noite e caminhamos pela Av. Salgado Filho em direção a um terminal de ônibus, ali nos despedimos e marcamos outra sessão de cinema para o próximo sábado.

A moça aparentava mais ou menos vinte anos, cabelos castanhos, bem crespos e caiam até um palmo acima da cintura, pele bronzeada, e media aproximadamente um metro e sessenta de altura, seu nome, Carmem.

Apesar de não termos conversado muito, descobri que era natural de Santa Maria, o pai dela tinha um comercio no Camobí, ela havia resolvido tentar um futuro melhor em Porto Alegre, estava trabalhando como camareira de um hotel no centro e morava com uma tia no bairro Restinga.

Para mim que andava um tanto isolado, foi uma “conquista” importante, daquele dia em diante passei a sentir-me uma pessoa normal.

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No dia seguinte voltei ao trabalho, era quarta feira de cinzas, mas para mim o dia não foi nada cinzento, havia um colorido, um prenuncio de qualquer coisa no ar, a moça não me saia da cabeça, mesmo sabendo que tudo poderia dar em nada, eu queria me iludir.

No sábado saí cedo de casa para não correr nenhum risco de chegar atrasado, havíamos marcado de encontrarmos em frente ao cine Imperial, cheguei antes e fiquei esperando um pouco, quando a vi chegando misturada a multidão que circulava por ali.

Com um lindo sorriso nos lábios ela perguntou num tom alegre de quem caçoa.

– Esperando alguém?

– Uma moça bonita. – respondi.

– Que pena! Não vi nenhuma por aqui.

Comecei a gostar da brincadeira.

– Eu acabo de ver uma muito linda.

– Então me mostra. – ela respondeu delicadamente.

– Acho que vamos precisar de um espelho. – completei.

A conversa começou a fluir a partir daí, fomos andando lentamente até a fila de entrada do cine Imperial, eu estava tão atraído por ela que nem lembro o filme que assistimos.

Na saída do cinema convidei-a para um lanche num trailer que havia quase em frente ao antigo hotel Majestic, ela aceitou, lanchamos e ficamos um bom tempo por ali conversando, falando de sonhos e anseios que tínhamos em comum, de repente um silêncio pairou entre nós e ficamos uns trinta segundos olhando um para o outro, até que ela interpelou:

– E agora, Qual é a nossa situação?

Não entendi bem a pergunta, talvez, por ter me pego de surpresa.

Improvisei:

– Financeira ou afetiva? – e completei – se for financeira, ainda temos recursos para pagar o lanche.

– Não, eu quero saber da outra?

Novamente o silêncio irrompeu sobre nós e respondi-lhe impulsivamente com um beijo em sua boca, ela correspondeu, mas em seguida afastou-me delicadamente e passou a mão no meu rosto, acho que fiquei um pouco nervoso nesta ocasião, pois sentia meus joelhos tremerem, mas o encanto durou pouco, ela levantou da cadeira e disse:

– Vamos embora, já está ficando tarde.

– Temos mesmo que ir? – perguntei quase sussurrando.

Ela pareceu-me assustada com a situação, mas tinha um sorriso disfarçado na sua boca semicerrada, acertamos as contas no trailer e saímos andando pela calçada conversando trivialidades, logo chegamos ao ponto de ônibus, antes da despedida eu articulei:

– O que tenho que fazer para poder vela novamente?

Ela respondeu sorrindo.

– Tens que estar aqui no próximo sábado, no mesmo horário.

Na despedida tentei beijá-la novamente, mas ela evitou afastando-se sutilmente, afagou meu rosto com sua mão macia, e embarcou no ônibus que estava parado no terminal, fiquei parado olhando fixamente para o ônibus que partia.

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Tudo é muito mais fácil quando se tem vinte dois anos de idade, o corpo é mais leve, a alma também, a vida segue ao sabor dos ventos do destino, os obstáculos nos parecem mais simples de transpor, pois nessa idade o ser humano tem energia sobrando... mas, falta experiência.

A empresa onde eu era funcionário estava abarrotada de trabalho, por este motivo contratou novos profissionais, entre eles, um jovem que recentemente havia concluído o curso de marcenaria do SENAI, era uma pessoa alegre, positiva e de muito boa vontade, seu nome, Victor, mas em seguida pegou um apelido, passamos a chamá-lo de Victor Cupim, logo fizemos amizade, tratava-se de um sujeito culto, falava com desembaraço sobre qualquer assunto, e possuía um brilho no olhar, típico dos sonhadores, além da juventude, tínhamos muitas afinidades, ao final da tarde das sextas feiras passamos a freqüentar um bar na Rua Ramiro Barcelos, onde bebíamos cerveja preta e falávamos sobre muitos assuntos, entre eles, música, éramos fãs de Atahualpa Iupanqui e Mercedes Sosa.

O sábado era o dia mais esperado da semana, pois era neste dia que eu e Carmem nos encontrávamos, quase sempre no mesmo local, o terminal de ônibus da Av. Salgado Filho, por algum tempo tudo foi perfeito, íamos ao cinema, depois ao trailer do lanche, mais tarde passamos a freqüentar um motel que ficava nos Altos da Bronze, mais precisamente na Rua João Manoel, ela não falava muito sobre seu trabalho, mas gostava de contar histórias de sua infância no Camobí, eu gostava de ficar escutando tudo o que ela dizia, me sentia enfeitiçado pelas palavras que saiam de sua boca, mas tudo que é bom se termina diz um ditado que conheço, e é pura verdade, passaram-se uns dois meses e os ventos do destino começaram a soprar noutra direção, Carmem estava diferente, não era mais a mesma pessoa, aquele jeito meigo e delicado desapareceu e ela passou a me tratar com uma certa aspereza, dispensava meus convites, inclusive para o cinema, alegando compromissos de trabalho nas tardes de sábado.

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Minha amizade com Victor foi consolidando, conversávamos muito sobre projetos futuros na área profissional, o que Victor mais queria na vida era poder ir para a Europa trabalhar, era o seu sonho, mas eu não tinha grandes planos. Numa sexta feira ao final da tarde fomos ao bar da “Ramiro” beber cerveja preta, nunca fui de comentar meus problemas particulares com ninguém, mas naquele dia, talvez por efeito da cerveja eu resolvi desabafar com meu amigo, contei-lhe tudo o que estava acontecendo, e ele ouviu tudo com atenção e depois começou a filosofar.

Disse ele:

– Segue teu caminho, deixa esta mulher seguir o dela. – e completou – esses casos de amor platônico deixam marcas para o resto da vida.

Atiçou minha curiosidade e apelei:

– Platônico por quê?

As respostas dele vinham sempre bem esclarecidas.

– Sabe o que é a paixão?

Antes que eu respondesse ele começou a explicar:

– A paixão nada mais é que uma reação química do organismo humano ligada à baixa serotonína no cérebro, esta substância é responsável por vários sentimentos, dentre eles, ansiedade, estresse, depressão e a psicose obsessiva compulsiva. Manifestada a paixão, o individuo tende a ser menos racional, priorizando assim o instinto de possuir o objeto de desejo, o apaixonado pode transcender seus limites no que tange a razão, e em situações extremas, beira a obsessão.

Fiquei com cara de tolo, mas levei a conversa adiante.

– E onde entra o platônico nesta história?

– Já vamos chegar lá, mas antes tenho que fazer uma pequena introdução, para que tu consigas entender. – respondeu com um jeito de intelectual e continuou – Platônico vem de Platão, este foi um filósofo grego que viveu antes de Cristo, ele acreditava que o verdadeiro amor poderia ser unilateral, desligado de interesses ou gozos materiais, amor à distância, que foge do real e mistura-se com o mundo dos sonhos e das fantasias, assim por redundância é chamado platônico. O amor platônico, segundo os especialistas da psicoterapia, ocorre com maior freqüência entre os adultos jovens, principalmente nos indivíduos tímidos, introvertidos, por terem maiores dificuldades nos relacionamentos.

–Tudo bem! Gostei da palestra, mas não conseguimos chegar a ponto algum, com este blá blá blá. – falei num tom de zombaria.

– Então quero que ouça minha teoria a respeito deste assunto.

– E qual é?

Ele bebeu mais um gole da cerveja, ficou um instante pensativo e prosseguiu:

– Tu estás sofrendo de uma moléstia que denomino “síndrome de Platão” conheço bem os sintomas e tenho motivos para crer, que quem contrai este mal, pode chegar ao final da vida sem alcançar a verdadeira felicidade.

– Vira esta boca para lá! Que teoria mais absurda. Para mim chega por hoje.

Fechamos a conta e cada um foi para sua casa, a cerveja preta estava fazendo efeito, já tínhamos bebido quase duas garrafas e já estava de bom tamanho para uma sexta feira.

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No dia seguinte, era sábado eu fui encontrar Carmem no mesmo lugar de sempre, fiquei lá esperando por umas duas horas, mas ela não apareceu, então resolvi ir embora, parei no trailer que freqüentávamos e bebi uma Coca Cola, pensei em ir ao cinema sozinho, mas fui acometido por um surto de desânimo, não entendia porque as coisas têm que ser assim, um dia a felicidade bate à nossa porta e noutro ela nos abandona sem ao menos despedir-se.

Fiquei vagando pelas ruas até ter vontade de voltar para casa, e isso demorou muito, andava ensimesmado pensando em como proceder num caso desses, até que decidi ir atrás dela, pensei, talvez tenha ficado magoada comigo por alguma coisa que eu tenha feito sem perceber, então eu a procuraria no seu local de trabalho e pediria desculpas. Mas já era muito tarde e resolvi deixar meu plano para o outro dia.

Dormi pouco naquela noite, meu pensamento estava fixo numa só pessoa, Carmem, toda vez que fechava os olhos eu deparava com ela,

por vezes, totalmente nua em minha frente, com um sorriso no rosto e um brilho convidativo no olhar, também estava presente nas minhas reflexões a “teoria” de Victor, suas palavras ecoavam na minha mente, “quem contrai este mal, chega ao final da vida sem alcançar a felicidade”, realmente era uma hipótese absurda. Mas se fosse verdadeira? Ao recordar alguns episódios passados da minha vida, comecei a admitir que pudesse haver um certo fundamento na “dissertação” dele. Seriam a menina que ensinei a andar de bicicleta e Isabela, casos de amor platônico? Bobagem pensei, depois disso eu conheci outras meninas, mas não tiveram a importância que Carmem tem para mim, o sono acabou me dominando, acho que já estava quase amanhecendo.

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O Domingo amanheceu lindo, muito sol, temperatura agradável, eu havia dormido pouco, mas levantei relativamente cedo, mais ou menos pelas sete horas, estava convicto que deveria procurar Carmem em seu trabalho, pois não tinha o endereço correto de sua casa, sabia somente que ela morava no bairro Restinga, nada mais, poderia ter esperado para procurá-la na Segunda Feira que naturalmente seria dia de expediente normal, mas minha ansiedade em resolver o problema era muito grande, avaliei a situação e resolvi que iria naquele dia mesmo.

Cheguei ao local, umas três da tarde, um hotel na Rua General Vitorino,

entrei e vi que havia uma senhora no balcão de recepção, cumprimentei, ela correspondeu à saudação.

Meio sem jeito, talvez por receio de causar algum incômodo lhe falei:

– Estou procurando uma pessoa, soube que trabalha aqui.

A senhora do balcão olhou-me com um jeito desconfiado e perguntou:

– Como ela se chama?

– Carmem é o nome dela.

– Deve haver algum engano, não tem ninguém com este nome trabalhando aqui. – Falou a senhora do balcão.

Eu insisti:

– Não há engano algum! Ela me disse que trabalha aqui.

Ela suspirou fundo, e com uma aparência irritada, tornou a falar:

– Já disse, não há ninguém aqui com este nome!

– A senhora está dizendo que esta pessoa mentiu quando disse que trabalhava aqui?

– Eu não disse isso! Apenas acho que o endereço que você procura não é este.

A possibilidade de Carmem ter mentido me aborrecia profundamente, então lembrei uma pequena fotografia tamanho 3x4 que ela havia me dado, e eu a carregava na carteira, num ultimo apelo, puxei a carteira e mostrei a foto para a senhora do balcão.

– Esta é Carmem – disse apontando para a pequena foto.

– Hum! Acho que tem caroço neste angú – murmurou a senhora.

Fiquei impaciente logo perguntei a ela:

– O que a senhora quer dizer com isto?

Ela respondeu com outra pergunta:

– O que ela é sua?

– É apenas uma pessoa que conheci no carnaval.

A senhora insistiu:

– Só isso, nada mais?

– Nada mais – respondi.

– Vou te contar quem é ela, mesmo sabendo que não deveria fazer isso, não sei porque, mas acho que você é uma pessoa de bem, e para poupar-lhe de futuros aborrecimentos vou esclarecer tudo.

Fiquei nervosamente ansioso naquele momento, ela continuou:

– É Verdade, eu a conheço, ela sempre trás seus clientes aqui.

– Que tipos de clientes? – perguntei agitado.

– Do tipo que gosta de garotas de programa.

– A senhora está querendo me dizer que ela é uma garota de programa?

– Não estou querendo dizer! Estou dizendo com todas as letras. Ela vem aqui freqüentemente com seus “amigos”, fica por uma ou duas horas depois vai embora, há dias em que ela vem varias vezes, com clientes diferentes.

Eu não podia acreditar no que estava ouvindo, virei as costas e sai, sem falar uma palavra sequer, não poderia ser verdade, Carmem me parecia tão recatada, meu mundo estava desmoronando, mas agora tudo fazia sentido, quanto mais claros ficavam os fatos, menos eu queria crer neles.

Fui para casa, meu Domingo que amanhecera tão lindo transformou-se num dia cinzento, com matizes de desenganos. A dor e o silêncio passaram a ser minha companhia nos dias que seguiram. Voltei ao meu isolamento, fui me afastando de todos, e tudo o que eu queria era andar só, sofri muito nesta época, mas como dizia minha avó “sofrer faz parte da existência”.

As noites pareciam intermináveis, minha vida se resumia a trabalho, até aos sábados eu inventava motivos para trabalhar, esta era a forma de tentar esquecer tudo o que havia acontecido. Certo dia quando eu já me sentia bem melhor, resolvi dar um fim ao fantasma que me assombrava, saí mais cedo e decidi ver com meus próprios olhos a verdade, fui até a frente do hotel na Rua General Vitorino e fiquei a vigiando o local, queria surpreendê-la, talvez para mostrar que até mesmo minha ingenuidade tinha limite, fiquei mais ou menos uma hora de tocaia no local, mas não chegou nem saiu ninguém, então resolvi desistir e ir embora. Fui até o cinema Imperial, mas não tive vontade de entrar, sai andando pela Rua da Praia ensimesmado, quando olhei à frente, fiquei petrificado ao vê-la no mesmo local onde outro dia parei para amarrar o sapato e a conheci por acaso, estava ela conversando com um homem, disfarcei e fui andando bem devagar, eles não me viram, saíram caminhando e conversando pela rua, entraram numa travessa que dava acesso a Rua General Vitorino, eu os seguia a apenas alguns metros de distância, quando chegaram ao hotel, eu cheguei mais perto e antes que entrassem eu interferi pedindo uma informação:

– Por favor, onde fica o cine Imperial?

Antes que o homem respondesse, ela virou-se com um aspecto de pavor, sua face estava rubra, e me olhava com os olhos arregalados, enquanto seu acompanhante me informava o endereço do cine.

– Muito obrigado! Eu não vou esquecer o que fizeram por mim. – falei olhando nos olhos dela.

Por um momento eu pensei ter visto uma lágrima em seu rosto, mas era ilusão, bem que gostaria que fosse de verdade, pois assim eu poderia acreditar que aquela mulher que vendia seu corpo, pudesse ter em seu coração algum tipo de sentimento maior do que sua própria futilidade.

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Com o tempo as feridas cicatrizam, mas ficam marcas que nos acompanham, muitas vezes pelo resto da vida, mas viver é isso mesmo, é aprender uma nova lição a cada dia, por mais dolorosas que possam ser as nossas experiências, elas sempre deixam mensagens nas entrelinhas, com valiosas lições que podem vir a ser útil algum dia.

Victor e eu voltamos a freqüentar o bar da “Ramiro” nas Sextas a tarde,

falávamos de política, música, poesia, um dia perguntou-me sobre Carmem, disse a ele que resolvemos terminar o relacionamento por razões de incompatibilidade de gênio, não tive coragem de falar a verdade, talvez por ter me deixado levar pelas circunstancias, eu tinha medo que me tomassem por um trouxa, e não me agradava a idéia expor-me ao ridículo.

Trabalhamos alguns anos juntos, posteriormente cada um seguiu seu caminho, soube depois que ele teria ido para Portugal e estava muito bem financeiramente por lá. Quanto a Carmem, uns três anos após o ocorrido eu estava falando em um telefone publico na estação rodoviária de Porto

Alegre, quando alguém tocou meu ombro, olhei para trás, era ela, desliguei o telefone e fiquei estupefato olhando-a, ela perguntou se poderíamos conversar, respondi que tinha um compromisso e estava com muita pressa, virei e segui meu caminho sem nenhum remorso.

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Não sou preconceituoso quanto às opções de vida que algumas pessoas fazem, cada um sabe de si e deve tomar o caminho que escolher, também acho que as profissionais do sexo devem ser respeitadas como qualquer ser humano, o que realmente repudiei em relação à Carmem foi o engodo, pois acredito que a convivência entre casais deve ser alicerçada na confiança mutua, caso contrario estará fadada ao fracasso.

Colhemos nos caminhos da vida, tudo o que um dia plantamos, por mais difíceis que sejam alguns momentos eles sempre trazem algo de bom.

Há alguns dias eu estava sentado em minha sala assistindo um filme na TV, era Domingo à tarde, alguém chamou no portão, ao atender fiquei surpreso, pois era Victor, em carne e osso, vinte e três anos mais velho, mas parecia o mesmo, me disse que através de um primo que mora em Guaíba descobrira meu endereço, e assim que pode, veio me visitar, contou-me também que vivera um longo tempo em Portugal, ganhou algum dinheiro por lá, depois regressou ao Brasil, morou um período na Bahia e em seguida voltou ao Rio Grande do Sul, passamos uma tarde relembrando a época que trabalhamos juntos, falamos do bar da “Ramiro”, dos sonhos da mocidade, de música e poesia, só não falamos de Carmem, talvez para não causar nenhum constrangimento a mim ou a minha esposa ele não tenha tocado no assunto, eu não poderia esperar conduta diferente de uma pessoa sensível e culta como Victor, é muito bom ter amigos e é emocionante quando os reencontramos depois de tanto tempo, muito melhor que isso é descobrir que os anos e a distância não dissipam uma amizade verdadeira.

Elson Lemos
Enviado por Elson Lemos em 09/01/2018
Código do texto: T6221051
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