O Conto do Antirrelógio

- É mais fácil mover os santos, do que solidificar as culpas. Certa vez, no vilarejo das Imaginações Infindas, numa tarde de 10 de fevereiro de 1918, acontecera algo fantástico que até hoje as pessoas se perguntam: como foi e onde foi parar aquele objeto?!

- O que era esse objeto vovô?!! – Insistia a pequena Elísia, não se contendo de curiosidade.

- Acalme-se, minha querida neta! Logo, logo, saberás do que se trata; do que essas pessoas queriam e desejavam de fato com aquele objeto fantástico nas mãos.

- Sim, vovô! Vou acalmar minha curiosidade. Continue. Pode continuar. – Insistia Elísia, sorridente, e ainda a curiosidade e a saga pelo saber, brotando em flor em seu rosto.

- Tudo bem, minha neta! Continuarei. – Tomava fôlego o avô de Elísia e prosseguia - Naquele tempo, havia na casa do Sr. Euclides, várias coleções de relógios: sejam os relógios de parede, pulso, ou de serem guardados na algibeira do casado ou da calça.

- Desculpe te interromper de novo vovô, mas isso quer dizer que o senhor Euclides era um relojeiro?

- Sim, querida! O Sr. Euclides era um relojeiro de épocas passadas, agora ele era um relojeiro aposentado, um senhor de sessenta e seis anos. Na casa do Sr. Euclides havia vários modelos de relógios, mas havia um que ele tinha um apreço enorme, um valor sentimental, e por isso, este relógio diferente de tantos outros, lhe produzia grandes ciúmes só de alguma pessoa querer saber, o que ele escondia naquele pequeno baú azul no canto de sua escrivaninha.

- E o que era que ele escondia naquele baú azul, vovô? – A ânsia em querer saber o segredo daquela história, andava a solta na imaginação de Elísia.

- Por enquanto, não poderei dizer minha querida neta. Deixarei sua imaginação fluir para os outros pormenores desta história. Tenho que lhe dizer que somente os puros e de bom coração, tinham o poder de desvendar os segredos que rondavam naquele relógio, pois somente eles tinham a sensibilidade de sentirem o tempo de uma forma mais rápida e direta, do que os outros que viviam o tempo às pressas, sem se preocuparem em respirarem, saberem aonde vão e o que estão fazendo. Uma vez aquele objeto na mão de uma pessoa de coração puro e sensível, faria com que esta pessoa tivesse a oportunidade de rever, todos os segundos, minutos e horas que se passaram de sua vida.

- Que legal, vovô! Queria ter conhecido o Sr. Euclides, para perguntar a ele sobre este relógio, e se por ventura ele me mostraria.

- Pois bem, minha neta! A vida do Sr. Euclides não foi nada fácil no período da juventude, no que diz respeito a sua vida sentimental. Euclides era apaixonado por Katarine, mas ele nunca chegou a declarar isso para ela. Katarine era uma moça que gostava de colecionar gibis, e o único gosto que ambos tinham em comum: era o cinema. Acontece que Katarine não dava tanta atenção para Euclides, pois esta na época namorava o imprudente e todo metido Thiago Dias, que adorava pegar rachas de carro.

- E o que o Thiago e a Katarine tinham em comum?

- Em minha opinião, nada minha neta! Thiago não conseguia ver a essência de Katarine. Thiago nunca a levou no Teatro, somente a preenchia com promessas e nada mais. Todavia, ela gostava de está com ele. Existia outro também: o tal patife e medíocre Isacc Nobre, que enquanto Thiago não estava por perto, queria conquistar a todo custo o amor da Katarine comprando joias caríssimas, já que ele era o que tinha um poder aquisitivo maior do que Thiago e Euclides. Falando nisso, Euclides só recebia a quantia no final do mês da relojoaria, que naquele tempo, o pai de Euclides estava gerenciando.

- Vovô, por que você sente tanto remorso nessa parte da história? É como se o senhor os tivesse conhecido.

- Está na hora de lhe confessar que eu fui muito amigo de Euclides quando jovem, e fomos da mesma turma no colégio. Além disso, nunca gostei da personalidade do Thiago Dias e do Isacc Nobre.

- Desse detalhe seria difícil descobrir. Continue, quero ouvir mais!

- Então, certo dia, Euclides retornou do colégio e se trancou no seu quarto. Euclides estava aos prantos de choro; o mundo tremia ao seu redor, não havia chão... as paredes do seu quarto estavam tão frias e silenciosas: despedaçadas. No virar da curva em alta velocidade, o carro encapota: Katarine morre no acidente cometido pela embriaguez de Thiago Dias no volante, e que, além disso, estava pegando racha com Isacc Nobre. Isacc também morre no acidente, tendo seu carro a despencar da ribanceira. Quis o destino que Thiago Dias sobrevivesse ficando paraplégico e com a culpa no coração. Elísia, se o tempo pudesse voltar e Euclides dissesse a Katarine os seus sentimentos por ela, talvez Katarine estivesse noutro caminho agora. Lá fora, a mãe toda apreensiva com o estado do filho, gritava: “Euclides, abre essa porta agora, estou mandando!”, e Euclides a responde: “Mãe, eu vou ficar bem, só quero pensar na minha vida a sós!”. Naquele dia, Euclides pela última vez tinha visto Katarine na saída do colégio beijando o Thiago. Naquele momento, era como se mil facas afiadas, ultrapassassem no coração sensível de Euclides

- Que triste vovô! – Como se o orvalho escorresse nas pétalas vermelhas de uma rosa, uma lágrima ainda sem gosto, descia do rosto pálido e puro de Elísia -.

- Não chore minha linda Elísia!

- Me conte logo vovô, não estou mais segurando minha emoção. Que história trágica!

- No momento que o jovem Euclides chorava em seu quarto, o seu pai Cândido bate a sua porta e pronuncia: “Filho, me deixe entrar!”. Euclides ao perceber a voz harmoniosa e cansada do pai, decidi abrir a porta, e de imediato avista uma caixinha preta, quadricular nas mãos calejadas do Sr. Cândido. Este entra e se acomoda na cama de Euclides, e leva a caixinha preta quadricular as mãos de Euclides: “O que é isto papai?” Pergunta Euclides afastando as lágrimas do rosto. “Abre, que tu verás do que se trata!” Responde o Sr. Candido. Euclides ao abrir a caixa se depara com o...

- Não acredito vovô! Você me escondeu este tempo todo este segredo! - Se espanta Elísia, ao ver o objeto daquela história agora nas mãos do seu avô.

- Sim, minha neta! Abra a palma de sua mão, e veja...sinta: está aí o antirrelógio. Sim, exatamente: um antirrelógio, onde os ponteiros trabalham retornando as horas que já tenham passado. Com o antirrelógio, temos o controle do tempo mentalmente. Podemos voltar ao tempo, consertar os erros cometidos, fazer aquilo que não tivemos coragem de fazer ou de ter tentado; dizer para aquelas pessoas que partiram tão cedo de nossas vidas, que nós os amamos muito. Se bem que na verdade, devemos dizer isso no momento que vemos a pessoa em nossa frente, então, abraçá-la, conversar, tomar um bom vinho ou café juntos, antes que seja tarde demais e possamos nos arrepender de não ter dito e feito isso antes. Espero de ti, minha neta, que você faça bom proveito deste presente, como eu fiz quando meu pai me entregara naquela tarde tempestuosa de minha vida.

- Farei vovô! Farei. Muito obrigada pelo presente. Eu te amo tanto, vovô! – Elísia nesse instante, não perde mais tempo, e abraça o seu querido avô, aconchegando-o em fervor o coração puro e sereno!!

(Carlos André)