O Espancador.

Estou fazendo alongamentos no quarto escuro. Às vezes me dou uns murros na cara para cair na real. Teve um dia que me desmaiei com um soco. Faço isso para não ter que espancar ninguém por aí. Tenho vontade de dar um corretivo em muita gente; só não o faço para não perder o controle e a educação que meus pais sofridamente me deram. Meu pai um homem rústico, braçal, justo e forte; minha mãe uma professora do primário. Sempre seguidores da doutrina espírita, desde cedo me ensinaram a prática do bem e da caridade. Quando eu era adolescente me pegaram fumando erva e me botaram no Danúbio Azul rumo a São Paulo. Que me virasse! Chorei muito nas primeiras noites, mas fui levando. Ficava na janela daquele velho e oleoso ap da rua Marechal Hermes da Fonseca em Santana pensando no que fazer da vida. Uma coisa tinha em mente: nunca roubar e nunca dar a bunda. Cursei Direito comendo as coxinhas e pasteis que o diabo amassou, li tudo que me passava pela frente. Li uns dois mil livros. Era tachado na faculdade por usar camiseta, calça jeans e um sapato marrom de couro que ganhei do finado tio que me ajudou muito. No começo eu ficava quieto e chorava um pouco no banheiro da faculdade enquanto cagava. Depois comecei a pegar alguns desses engraçadinhos de surpresa na escadaria que dá acesso ao metrô Vergueiro. Colocava um saco preto na minha cabeça, com um furo no meio para enxergar, e toda noite socava o nariz de um. Isso foi um a um, até que fiquei muito conhecido como o espancador do saco de lixo e parei para não ser identificado. Quebrei muitos narizes naquela época.

Hoje sou meio humano e meio animal. E faço alongamentos no quarto escuro para não quebrar ninguém.

Sem caridade não há salvação.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 08/02/2018
Código do texto: T6248975
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