Apenas um homem gordo (janeiro de 2018)

Jurema era gorda. Mas ninguém nas redondezas era mais gordo que seu irmão Enéas. Já havia feito mil dietas de revista que sua irmã lhe trazia, mas nada dava certo. Era um homem novo de olhos muito grandes e castanhos de um tipo penetrante. Não se pode dizer sem faltar com justiça que era um homem bonito, mas muito gordo.

Em suma, a gordura era seu problema. Por conta dela, Enéas era um jovem deprimido. No ano em que fez dezoito anos resolveu que ia fechar-se para o mundo. Chamavam-no para as festas, mas ele simplesmente não ia, com medo de que fizessem anedotas sobre ele. Ensimesmado, trancava-se no quarto para assistir televisão até dormir.

E onde estaria a culpa? A culpa de manter Enéas gordo, aberto a possibilidades de problemas sérios de saúde como o diabetes ou cardiopatias? A verdade é que a culpa era de todos, a começar pela mãe superprotetora. Se encontrava o filho chateado, logo supunha que estava com fome. Aí lhe preparava montes de comida.

Sua irmã não agia de forma diferente. Para calar-lhe a boca porque namorava escondida ao pé da janela de seu quarto depois das dez horas da noite, Jurema prometia-lhe doces e pasteizinhos de goiabada. Pronto. Alguma química no cérebro de Enéas fazia com que o rapaz de vinte anos não desejasse outra coisa. E calava sua boca para seus pais.

A seu pai importava que torcesse para o Palmeiras. Desde a tenra infância acostumava-o com pirulitos e gomas de mascar para que o filho torcesse para o time do papai. Passados uns quinze anos ele ainda lhe oferecia os doces em todos os jogos do clube paterno. E assim, em frente da televisão, Enéas se regozijava com os pirulitos.

Tanto sua mãe, sua irmã ou seu pai compreendiam perfeitamente os riscos da obesidade. Mas, ainda assim, encontravam seu jeito de dar montes de comida para Enéas. Não era o caso fazer uma refeição mais pesada durante o dia, mas sim fazer várias refeições enormes desde o café da manhã até o jantar.

Não conseguia atravessar a roleta do ônibus e, por esse motivo, esperou o momento de encontrar trabalho no próprio bairro, de forma a poder ir até lá caminhando. Seu primeiro emprego chegou aos dezenove, em um kilão do fim da rua onde morava. Inconscientemente sentia que trabalhar perto das frutas o ajudaria a emagrecer.

Este sonho de emagrecer através da presença de frutas de todos os tipos em seu redor realmente se realizou uma vez. Em um ato de rebeldia, abriu mão dos hábitos de casa e substituiu seu cardápio por bananas, goiabas, maçãs e abacates. Emagreceu quase vinte e cinco quilos em dois meses.

Mas veio o dia que morreu de ataque cardíaco o dono do kilão e o negócio foi à falência. Distante da presença das frutas, os velhos hábitos foram tomando conta dos hábitos saudáveis de Enéas. E ele começou a engordar todos os quilos de antes. Quilo por quilo, em três meses pesava o mesmo que anteriormente.

No fim, concluiu que todas as dietas, essa das frutas ou outras que Jurema havia ensinado a ele, realmente funcionaram. Mas é que... bom, o fato é que Enéas retornava sempre aos velhos hábitos e ganhava muitas calorias em pouco tempo. E a pergunta que deve ser feita novamente, é: de quem é a culpa da gordura de Enéas?

A responsabilidade não deveria cair toda em cima do rapaz, isso seria muito cruel. A responsabilidade poderia em parte ser minha, que escrevo este texto “por conhecer Enéas de vista”, poderia dizer. Também é da família e, sobretudo, a responsabilidade está na nossa sociedade; que mantém em expectativa e ansiedade o pobre rapaz.

Com o passar do tempo, os vizinhos comentando e dando opinião, chegou aos ouvidos do pai de Enéas que sua família estava matando o rapaz. Um homem gordo careceria de cuidados para prevenir doenças oportunistas e sua família lhe estaria negando esses cuidados. Mantinham-no isolado e ignorante quanto a isso.

Por puro sentimento de culpa, Jurema (que era gordinha) ofereceu-se para acompanhar Enéas em uma dieta nova, da última publicação da revista. Ele, mais por não querer contrariar a irmã do que desejar realmente fazer uma dieta, assentiu. Começariam no dia seguinte, no café da manhã. Na verdade, toda a família estava envolvida nessa dieta.

E assim fizeram no outro dia e nos outros seis meses também. Enéas perdeu desta vez vinte quilos e quinhentas gramas. Ainda estava muito gordo, então continuou a dieta chamada pela revista de Jurema “tolerância zero” por mais um ano e meio conseguindo perder outros vinte kilos. Mamãe e papai eram só alegria. Jurema também emagreceu.

No entanto, como já compreendia Enéas, toda dieta encontra seu fim e, uma vez encerrada, os kilos voltavam todos para seus lugares novamente. Isto ocorreu por ocasião da festa de casamento de Jurema quando ficava acertada a saída de casa de Jurema. Sua perda foi como uma punhalada. Ou uma permissão para engordar de novo.

Enéas começou ganhando dois kilos na semana da festividade de Jurema. Nas semanas seguintes, vendo o filho entristecido (pela ausência de Jurema) sua mãe preparou uma fornada de empadinhas para o filho. Em meia-hora Enéas devorou vinte empadinhas de um bom tamanho. E comeu torta de chocolate.

O pai, que também se preocupava com Enéas sempre que este parecia aborrecido, trouxe bolo de mel e o que não poderia faltar para um torcedor do Palmeiras: os pirulitos. Todo o raciocínio que havia construído durante quase dois anos foi posto abaixo: o que Enéas precisava era comer alegremente, para ficar feliz.

Não poderia encerrar esse relato sem relatar que Enéas, novamente gordo, ficou muito feliz depois de encontrar uma namorada. O contrário a si era ela: um palitinho de magra, entretanto profundamente afeiçoada ao obeso homem Enéas. Engataram o namoro e ele encontrou trabalho em uma loja de material de construção. Mas não deu a comer tijolos.