O vampiro apaixonado

Eram quase 18 horas de uma quinta-feira. Vlad, um vampiro de meia idade, com aproximadamente 400 anos, estava numa das salas de sua mansão no bairro de Morcegópolis, o mais chique que havia em Vampirolândia, a cidade dos vampiros. Vlad esperava a hora de ir ao dentista. Dentista? Sim! Vampiros também vão ao dentista, afinal de contas era preciso manter os caninos em ordem. Do contrário, como sair pela noite atacando pescoços desprevenidos?

O problema é que todos os dentistas de Vampirolândia estavam com as agendas lotadas e Vlad tinha um problema urgente a ser resolvido: suas presas estavam doendo muito. O único lugar em que conseguiu marcar uma consulta foi num consultório na cidade dos humanos. Era um velho conhecido seu que havia adquirido a habilidade de se infiltrar entre os meros mortais e como já era mesmo muito velho, até mesmo para um vampiro, não se alimentava mais de sangue humano.

Como sua consulta era na cidade dos humanos, ele não poderia se transformar em morcego e ir voando. Teria de ir de carro e para tal, tinha de esperar o sol se por. Dezoito horas em ponto e o sol já começara a ceder lugar à lua. Vlad pegou as chaves de seu carro e se dirigiu à cidade dos humanos para ir ao dentista. Uns quarenta minutos aproximadamente.

Quando adentrou nos limites daquela cidade, sua paciência vampiresca, que não era das maiores, explodiu de vez. Um trânsito infernal demais, inclusive para ele. Porém, como não havia saída, o negócio era esperar. Viu uma brecha no trânsito, cortou o carro que estava à sua frente, acelerou e... Que raiva! O semáforo fechou. Foi obrigado a parar. Aquele vermelho do sinal lhe atiçou a fome. Antes de o semáforo abrir, viu um sujeito bem na sua frente. Era um guarda de trânsito com um talão de multas. Na pressa, Vlad não percebeu que parou o carro bem em cima da faixa de pedestres. Lá veio uma multa. Sentiu vontade de morder o pescoço do guarda, mas estava atrasado e, além do mais, seus dentes doíam muito.

Passado este imprevisto, ele conseguiu chegar ao dentista bem na hora da consulta. Foi atendido por uma recepcionista linda, aparentando apenas uns 300 anos. Vampiros sabiam reconhecer vampiros. Encantou-se com aquele olhar negro, brilhante. Absorto em seus pensamentos, mal ouviu quando foi chamado para a sala do dentista.

Entrou na sala, sentou naquela cadeira branca (branco não era sua cor preferida), abriu a boca e após alguns minutos de análise atenta do doutor Draculous, ouviu o parecer:

– É, meu amigo Vlad, sua situação é séria. Acho que você andou tomando muito sangue de má qualidade. Seus dentes superiores frontais não têm mais salvação e precisarão ser extraídos. Coisa rápida e quase indolor para um vampiro. Teremos de arrancá-los e colocar uma dentadura no lugar. Para sua sorte, tenho aqui no estoque uma que é exatamente a sua medida. – Disse isso e mostrou a dentadura para Vlad, que se encantou com os caninos novinhos, pontiagudos e bem afiados.

– Já que não tem jeito, doutor, pode fazer o serviço. Mas, por favor, capriche na anestesia que eu não gosto de sentir dor.

O doutor então aplicou uma anestesia cavalar em Vlad. Anestesia para vampiro não podia ser qualquer uma. Por isso, além dos analgésicos comuns, o principal ingrediente era uma dose caprichada de sangue humano de primeira linha. Aplicada a anestesia, Vlad dormiu como um anjo. Opa! Anjo não, pois seria uma ofensa para os vampiros. Ele dormiu como um morceguinho.

Terminado o serviço, doutor Draculous acordou Vlad e lhe pôs um espelho especial para que pudesse ver como ficou o serviço, que foi aprovado pelo cliente com muito entusiasmo. Vlad aproveitou para perguntar sobre a recepcionista e ouviu:

– É uma de minhas primas distantes. Como você viu, ela é jovem, bonita e para sua sorte não é comprometida. – Doutor Draculous conhecia a fama vampiro pegador de Vlad. – Antes que eu esqueça, antes de dormir tire a sua dentadura, como sei que você ronca, pode se engasgar com ela enquanto dorme.

Vlad pagou o serviço, agradeceu e na saída jogou charme vampiresco para cima da recepcionista, de nome Bela. Não poderia ter nome que combinasse mais, pensou Vlad. Acabou conseguindo o número do celular dela, que, na despedida, acabou dando um sorriso lindo e sensual, mostrando apenas parte das presas para o vampiro galanteador.

Durante os dias seguintes, trocaram inúmeras mensagens via whats app. Foram mensagens escritas, de áudio e até vídeos. Acabaram marcando um encontro para a próxima sexta-feira à meia noite no cemitério de Morcegolândia. Data perfeita para um encontro de vampiros: sexta-feira 13, lua cheia e a névoa aumentaria o clima de romance naquela primeira noite deles; além, é claro dos pios das corujas e do revoar dos morcegos. Seria uma noite perfeita.

Quem não gostou muito da ideia foi a mãe de Vlad. A idosa vampira de mais de oitocentos anos de idade ainda queria o filho debaixo de suas asas, pois ainda era o seu morceguinho lindo e não seria nenhuma periguete de presas afiadas que iria tirá-lo dela. O nosso vampiro apaixonado percebeu a cara amarrada de sua mãe naquela semana, mas não queria acreditar que ela seria capaz de atrapalhar seu encontro com Bela. Tolo engano. Parece que ele não conhecia as artimanhas de sua velha mãe.

No dia do encontro, cerca de três horas antes do horário combinado, Vlad começou a se preparar. Tomou um demorado banho, perfumou-se com essência de enxofre, escovou bem os dentes que lhe restavam e também a sua dentadura com os caninos novinhos, vestiu-se elegantemente de preto e pôs sua capa cujo lado interno era de um roxo muito vivo e foi para a frente do espelho pentear seu cabelo e preparar seu imponente topete. Enquanto fazia tudo isso, deixou a dentadura ao lado de seu caixão.

Quando terminou de se arrumar, foi procurar a dentadura e não a encontrou. Chamou pela mãe, que lhe disse não ter visto e muito menos ter pego. Ele que era descuidado e não sabia onde largava as coisas. Vlad sabia que sua mãe tinha algo a ver com aquilo, no entanto, sabia também que não adiantava discutir com ela agora. Ele teria que se virar. Faltavam quarenta minutos para o encontro e nada da dentadura aparecer. Ainda bem que o cemitério era pertinho de sua casa.

Trinta minutos faltando! E agora? Lembrou-se que sua mãe também usava dentadura e tinha um pequeno estoque delas numa caixa que ficava ao lado do caixão onde ela dormia. Mas como ir até lá se ela ainda estava acordada? Pensou, pensou, pensou e foi até a porta de entrada da mansão. Saiu e tocou a campainha várias vezes. Como não tinham empregados (quem queria ser empregado de vampiros?), sua mãe teve de vir atender a porta. Assim que ouviu os passos da velha, ele se transformou rapidinho em morcego e voou até o quarto dela, aproveitando a janela aberta, entrou e começou a procurar pela caixa das dentaduras. Procurou por cinco minutos e não encontrou nada. Sua mãe adivinhara suas intenções e escondeu a caixa em outro lugar. E agora? Não havia tempo para continuar procurando. Ah, mamãe, a senhora me paga! – pensou com raiva.

Decidiu ir sem dentadura mesmo. Se Bela realmente tivesse gostado dele, ela entenderia a situação. Melhor contar a verdade do que ser descoberto em ato falho. Com esse pensamento, transformou-se em morcego outra vez e voou super-rápido para o cemitério. Chegou lá e ainda faltavam cinco minutos para a meia noite. Sua amada ainda não chegara. De repente, ele começa a sentir um odor maravilhoso de dama da noite. Reconheceu que era Bela a se aproximar.

Assim que se viram frente a frente, ele ficou sem palavras. A sua vampirinha estava mais linda do que nunca. Abriu a boca para cumprimentá-la e deixou à mostra o espaço entre os dentes laterais. Ela começou a rir e ele fechou a boca imediatamente, entristecido e com vergonha. Ela percebeu e falou:

– Fica assim não, meu vampirão. Olha para mim! Olha para mim, vai!

Ele ergueu a cabeça e a viu com a mão na boca. Quando ela deixou a boca livre, ele pôde ver que ela também era banguela. Sorriram, abraçaram-se e foram para o alto do cruzeiro do cemitério apreciar agarradinhos o show da lua cheia. Coincidentemente, aquela lua cheia estava avermelhada, talvez a comemorar também aquele romance que iniciara há poucos dias. A trilha sonora foi como Vlad imaginara: corujas piando e morcegos cruzando os ares diante de suas vistas. É, vampiros também amam e são românticos. Dias depois desse primeiro encontro, ambos voltaram ao consultório do doutor Draculous para fazer uma nova dentadura (na verdade só ele, pois ela já trabalhava lá).

A mãe de Vlad, a vampira Morfética, apesar de ter tentado outras vezes, não conseguiu separar o casal. Foi obrigada a conviver com Bela como nora, pois meses depois, Vlad casou-se com ela e a levou para morar em sua mansão. A rabugice de dona Morfética com Bela durou pouco, pois a jovem vampira sabia como amolecer corações endurecidos e, com isso, acabaram se tornando grandes amigas. Azar de Vlad, que agora tinha duas vampiras a vigiar-lhe todos os passos.

E assim, às vezes, saiam os três a voar pela noite de Morcegolândia à caça de pescoços desavisados. Só que Vlad e Bela tinham de ter muita paciência com Morfética, pois devido à idade avançada ela já não tão rápida quanto antes.

Cícero Carlos Lopes – 17-03-2018

Texto feito a partir de dinâmica realizada em ATPC da E.E. Professor Olzanetti Gomes no dia 16/03/2018 no período da manhã.

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 17/03/2018
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