ENTRE FLORES E ALGODÕES

O caixão encontrava-se no centro da copa. O cheiro de flores inundavam a casa por inteiro e o cadáver parecia dormir. Os olhos dela pararam no nariz. “Porque estes algodões brancos?” Ela debruçava no caixão tentando entender o que se passava. So via floroes e o rosto inchado do irmao.

Clara fora apresentada a morte aos oito anos de idade e não conseguia digerir ao certo o que era tudo aquilo. “Porque ele morrera? Porque Deus o levara? Afinal ele era boa pessoa, brincava todos dos dias com ela, corria atrás dela quando ela o chamava de Lipi. Porque? Porque?” Uma mão a chamara para a realidade. Era hora de fechar o caixão e conduzi-lo ao cemitério local. Todos choravam. Sua mãe aproximara-se segurada por duas de suas irmãs. Tios, primos, amigos, todos queriam dar seu último adeus, afinal seu irmão tinha somente 23 anos de idade. A cidadezinha havia parado para o velório e assim quatro pessoas tomaram do caixão e o conduziram para igreja local.

Clara era uma criança calma, a última das nove mulheres de sua casa. Era paparicada por todos e a preferida por seu irmão. Seus cabelos pretos lembravam seus ancestrais indianos, muito liso, mal parava preso. A casa de Clara era sempre cheia e alegre. Sua mae, apesar de alguns problemas com a bebida, preparava sempre os deliciosos biscoitos para o café e o almoço era servido pontualmente, sempre na presença de seu pai. Enquanto este não chegava não se comia. Seu irmão era o único homem da familia, o macho da casa. Muito alegre e sorridente, seus cabelos lisos e louros tornava-o carismático. Seus olhos verdes reluziam ao sol o que chamava a atenção das mulheres. Era querido por todo o povoado da chamada Rosemberg. Dos irmaos, Felipe adorava a pequena Clara. Por ser a mais nova ele tinha um carinho enorme por ela. Todos os dias ao chegar do trabalho lá estava ele a brincar com Clara. Ele queria que Clara viesse homem para lhe fazer companhia, mas, infelizmente, chegara, mais uma vez, uma menina e ele afeiçoara tanto a irmã que era mais criança que a própria Clara.

A igreja estava cheia. Os lugares da frente foram reservados para a familia. A chuva caía lá fora como se os céus chorassem a perda do irmão de Clara. O padre começara o sermão da despedida. O caixão foi aberto e os familiares foram chamados a se aproximarem. Clara chegou perto do caixão, o algodão branco ainda estava lá. “Pra onde ele irá o algodao o acompanhará? E as flores? Ele dormirá com este cheiro?” Pensou Clara.

O cortejo saiu em direção ao cemitério. Ela pegou uma das cororas, juntamente com outras criancas e foram caminhando conduzindo o caixão. Neste momento a chuva cessara. Parecia que Deus tivera piedade do morto ou daqueles que acompanharam o cortejo e até uns raios de sol vieram saldar o defunto que agora dormia no saco de madeira. Lentamente, as pessoas caminharam para o novo destino de seu irmão. As vozes entoavam cantigos de despedida e assim chegaram ao cemitérios das almas no pequeno povoado de Rosemberg.

Clara se deteve ao portao, nao queria entrar. Sentiu um calafrio subir sobre seu corpo. Aquele lugar era tenebroso. Parecia que todos os fantasmas vieram assombrá-la. Ela se sentiu como se as catacumbas viessem a engoli-la. Foi despertada pela sua amiga Sara. “Clara, vai, caminha, a fila parou.” Clara voltou de seus pensamentos. Olhou para trás e viu o mundareu de gente esperando para que ela entrasse. Foi puxada pela amiga que fez com que ela entrasse portão adentro.

O cemitério das Almas em Rosemberg era simples e sinistro. Tinha uma pequena casa onde eram colocadas as ferramentas de trabalho dos coveiros, em frente encontrava-se um crucifixo na parede, um pequeno altar com as imagens de Nossa Senhora e alguns santos e um lugar onde poderia acender as velas. Atrás desta casa deitava-se umas madeiras com uns 10 cm de altura do chão onde eram colocado os caixões para serem novamente abertos. Ali o saco de seu irmão foi depositado para a última despedida.

Clara tremia, nao sabia ao certo se era medo ou se ficaria doente. Sara, sua amiga, percebendo o que se passava não a deixara. “Voce quer ver pela ultima vez seu irmão, Clara?”. Disse Sara.

“Acho que sim. Mas onde colocarei esta coroa e a sua? Tem muita gente.”

“Calma vou pedir ajuda”

Sara chamou um Sr. que as ajudaram apoiando as coroas em uma árvore perto. Com muita dificuldade, Sara conseguiu conduzir Clara para seu último adeus.

Clara nao ficou muito tempo, pois não aguentou ver sua mãe chorar. Não viu seu pai. Onde estaria ele? Pensou.

“Vamos sair daqui Sara” pediu Clara.”

“ Sim vamos.”

E as duas sairam e foram ver onde seu irmão iria morar. Ao chegarem perto Clara e Sara depararam com uma caveira e com alguns ossos que estavam perto da cova. Clara parou e segurou firme a mão de Sara. Cade o algodão? Pensou Clara na sua inoscencia de criança.

“Sará o que e isso?”

“E uma caveira Clara, mas porque esta aqui?”

“Eu nao sei. Meu irmão, o que será dele? Ele vai ficar sem o algodão?”

“Eu nao sei Clara, nao entendo nada de morte”.

Mais uma vez o medo tomou conta de Clara. Quiz chorar, quiz gritar, quiz sair e brincar como outras criancas mas nao consegiu. Seus pés fixaram na terra daquele lugar como se as almas a puxassem para baixo. Neste momento viu seu pai e correu a abraaç-lo e pos-se a chorar.

A multidão havia se desperçado, restou somente os familiares e alguns amigos. Rezaram mais um terco o que fez Clara detestar aquela ladainha e foram para casa. Clara voltou todo o caminho agarrada ao pai. Chegaram em casa um vazio a tomou, tudo era luto. A tristeza da morte assombrava seu lar e o cheiro de flor pairava sobre as paredes e ela mal sabia que aquele cheiro, bem como a lembranaç do algodão ficaria gravado para sempre em sua alma.

Ana Cristina Magalhaes
Enviado por Ana Cristina Magalhaes em 04/04/2018
Reeditado em 08/08/2018
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