A DOR DE UMA GRANDE SAUDADE
Conto de:
Flávio Cavalcante


 
     Sua amiga companheira de todas as horas era a dor de uma grande saudade, que abriu fendas homéricas no limiar da ponte do seu destino de difícil cicatriz.
 
    Cada dia, cada hora, cada minuto e cada segundo do seu dia, era para ele como se fosse uma eternidade. O silêncio das paredes era gritante aos seus ouvidos dentro daquela residência vazia e com aquele ardor provocado pelo odor de um mofo bastante entranhado, demonstrando que já havia bastante tempo, que aquele lar, não circulava um bom ar que viesse purificar aquele ambiente. Hoje ele passou a dar valor a falta de uma mulher dentro de casa; apesar das turbulências provocadas pelas discussões providas de um relacionamento conturbado, trazia estresse em determinado momento, ao ponto daquele homem abandonar o lar em busca de alguma diversão na mesa de um bar com amigos, música ao vivo, jogos de dominó e conversas espalhadas ao leu.
 
     Dava até para esquecer que a sua presença ali, na mesa daquele bar, era para aliviar um momento turbulento de discussões dentro de casa, por motivos banais; e, ultimamente estava indo longe demais. As brigas se tornavam uma avalanche de desrespeito com palavras pesadas e chulas. O vernáculo era do mais baixo calão e aos berros; a vizinhança presenciava de camarote todo aquele espetáculo de xingamentos a falta de respeito de um para com o outro.
 
     No bar, alguns goles de rum montilla com Coca-Cola, ia ao limite do exagero; e no final, resultava numa depressão homérica, como que o seu eu o acusasse das porcarias cuspidas do ventilador em cima do seu cônjuge deixando bem claro que ela não estava mais aguentando aquela situação.
 
     O alto índice de teor alcóolico consumido por aquele cidadão carregado de problemas de saúde, refletia um momento de acordar para a realidade e o arrependimento era certo, assim como o pedido de desculpas assim que ele voltava ao lar.
 
     Apesar de toda tensão, tudo ficava bem e o casal acabava se acertando; mas, aquela situação foi cansando a vida conjugal, até pela constância dos acontecimentos. O que ele não esperava, era que um futuro bem próximo ia desmoronar numa realidade de vida que para ele era inacreditável.
 
     Numa determinada tarde, ela resolveu sentar à mesa para uma conversa muito séria com aquele homem que até então, nem imaginava que a vida da sua companheira estava num limite de perturbação e planejava em tempos breves abandonar tudo e voltar para a sua terra natal sobre o aconchego da sua família. Claro, que para ela não foi uma tarefa simplificada; apesar daquele pandemônio, eles tinham trinta e cinco anos de convivência e sabia ela, que devido a sua idade, não iria encontrar felicidade em outro relacionamento, mas também, não conseguia enxergar uma luz no fim do túnel para reverter aquele caso, que já tinha deixado bem claro que não comportava a menor condição de dar uma continuidade.
 
     O que mais magoava aquela mulher, era o nível que ela era colocada com as palavras proferidas da boca de um homem que ela sempre amou, além de parar para fazer um balanço na sua vida durante todo o tempo de convivência com ele.
 
     Sua história de progresso na realidade sempre foi um pesadelo quase que interminável. Depois de todo este tempo de convivência o que ela construiu foi só à base do amor. Ele nunca se preocupou numa segurança futura no caso de morte. A casa que ambos moravam, era fruto de uma herança dele com um irmão e eles viviam numa guerra constante. Eram inimigos de sangue à fogo.
 
     A vida financeira poderia estar melhor se ele não entrasse na ganância de guardar o dinheiro da sua aposentadoria e viver apenas dos bicos de sua profissão secundária que era eletricista. Ela tinha que arregaçar as mangar e sair para trabalhar como balconista de uma loja de bijuterias para completar o orçamento do lar. Viviam uma vida sacrificada desnecessariamente. Este foi o motivo que mais pesou na sua decisão de ir embora para junto dos seus familiares.
 
     Finalmente ela partiu e ele viu de perto a dor da solidão. Em pouco tempo, via-se na naquela casa, um lugar próprio para filme de terror. Móveis empoeirados e cheio de teias de aranhas nos mais variados cantos da casa. O alimento estava em escassez dentro de uma única geladeira que trabalhava só para manter alguns litros de água gelada. Vivia se alimentando de pedaços de pão com mortadela e muitas vezes este, era o seu alimento diário, acompanhado de alguns copos de café.
 
     Foi inevitável ele viver perambulando pelas ruas batendo papos com amigos para se livrar daquela dor de uma saudade que parecia não ter mais fim. Nas conversas, ele falava que preferia a morte do que viver aquele momento doloroso na sua história de vida.
 
     Há de se imaginar as noites longas convivendo com o silêncio do seu quarto. Ao conversar com ele, percebia perfeitamente o suspirar forçado como se tivesse faltando fôlego.
 
     Numa determinada final de tarde, já enveredando pela noite, ele saiu de casa batendo em várias portas como se tivesse pedindo socorro, conseguiu chegar à casa um amigo que morava na mesma rua e ao abrir a porta o ele foi se acomodando no leito de morte sentado no sofá do anfitrião que era um grande amigo com quem ele costumava sempre desabafar. Foi ali, exatamente naquele cantinho que ele acabou dando adeus a este mundo, deixando a mensagem que foi dormindo com a saudade que ele partiu levando para a eternidade a dor de uma grande saudade de uma situação que poderia ser revertida. Toda sua história com a sua mulher amada.
 
 
FIM
 
 

 
Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 13/04/2018
Reeditado em 13/04/2018
Código do texto: T6307870
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