baiana namoradeira

Saí correndo do serviço para não me atrasar, mas antes mesmo de chegar na Vila Isabel, já escutava ao longe o som do partido alto, a batida das palmas e os instrumentos, significava que a roda de samba já estava formada; fui logo tomando das mãos de Durval o meu pandeiro, ele o Durval, era o pandeirista reserva, que para tomar a vaga do “titular” aqui, teria de aprender muita batida, usar além das mãos, os cotovelos, joelhos e a cabeça, e principalmente, saber como dar o breque no tempo exato, como eu fazia. Entrei na roda de corpo e alma.

A encantação daquela noite! A baiana olhou para mim! Foi com absoluta certeza que reconheci naquele olhar a Perdição e a Paixão. Se tivesse me submetido plenamente àquele olhar, eu estaria agora mortinho da silva, ou na melhor das hipóteses, gravemente avariado por um de seus três namorados ou poderia até mesmo, ter sido torturado por todos três, num conchavo vingativo de homens traídos.

Como foi penoso resistir àqueles olhos de manteiga, que derretiam a todos ao redor do samba, que tocava “quem é do mar não enjoa, não enjoa, chuva fininha é garoa, é garoa”. A baiana dançava, fogosa. Em total formosura, requebravam em seu corpo: o par de seios, o solitário umbigo e a “popança”. O seu namorado polícia, rondava a Vila Isabel com sua viatura, olhando prá dentro dos botecos em que o samba grassava, vez ou outra, por puro ciúmes, dava uma blitz na cambada de sambistas e tangarás. Por isso eu só olhava de banda, um olho no pandeiro, outro na barra da sua saia, laranja e doce, como mamão papaia. O namorado traficante, era homem de negócios, tinha poder e era racional, por isso não lhe sobrava tempo para acompanhar sua baiana pelas rodas de samba, pois os negócios andavam de vento em popa, sempre. O mais temido dos namorados era o valentão, bastava desconfiar que algum gaiato havia se metido com sua baiana para esgana-lo com suas mãos gigantes, o valentão era mau e cruel, ou seja, um sujeito apavorante.

Eu tinha medo, mas tinha muito mais desejo pela baiana namoradeira. Tão perto dela que estava, fora impossível não ter sentido seu cheiro de manacá emanando de sua pele, me aproximei demais, dei-lhe um longo beijo na boca, sabor ingá!

Macaco-velho que era, apaixonado pela vida, pelo samba e ainda pelo meu sonho de ser um dos pandeiristas da Vila Isabel por muitos carnavais, dei no pé, assim que terminamos aquele beijo demorado; larguei novamente o pandeiro nas mãos do Durval, que para ser como eu, tinha que aprender muito ainda.

Homem de preto
Enviado por Homem de preto em 22/05/2018
Reeditado em 24/05/2018
Código do texto: T6343167
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