Uma carta miúda

- Eu sei que está acabado – Eu lhe disse, com minhas mãos escondidas nos bolsos da minha bermuda.

- Seria melhor se você não fizesse um drama por causa disso.

E ela juntou as bitucas de cigarro que tinha fumado durante toda a noite e jogou num cinzeiro. Como se tivesse escondendo os vestígios de um crime.

- Eu costumo reservar o meu drama para mim mesmo, você não precisa se preocupar com isso. – Respondi.

- Acho que isso tudo foi um erro. – Falou, enquanto calçava as sandálias. E foi como se ela não tivesse mais nada a dizer.

- Você deve estar certa. – Concordei, tendo cada vez mais certeza de que a vida é um touro de rodeio, e que eu estava novamente no chão.

Ela saiu pela porta, mas o perfume e o cheiro de cigarro ficaram espalhados pela casa.

Os pratos sujos que não lavamos estavam na pia, junto com uma taça de vinho com uma marca de batom quase obscena que ela deixara sem esvaziar.

Enchi a pia d´agua, joguei o vinho fora e voltei para a sala.

Me perguntava sempre de onde vinha minha tendência em me meter em situações como aquela, e dei de cara com ela, à beirada da minha janela, tentando disfarçar um choro.

Me escondi para que ela não me visse, e acompanhei a distância, cada soluço e lágrima que ela deixava sair de dentro de si.

Vi hesitação ali. Mas ela foi se recompondo e saiu pela portaria, pra entrar num taxi e desaparecer da minha vista, como todas as outras haviam feito de uma forma ou de outra.

Mas talvez ela não fosse tão impermeável quanto gostava de parecer.

No fim, eu ainda me sentia mal, como se tivesse sido pisoteado no rodeio que vinha sendo a minha vida.

Me sentei no chão da sala, abri o notebook e me pus a escrever.

“Meu querido amigo Nagara”. Comecei...

“Já passa da meia noite, então já é domingo, e eu estou sentado na minha sala, menos bêbado do que gostaria. Estou te escrevendo pra dizer que aquela pequena que eu havia mencionado finalmente me deixou. E deixou de uma forma espetacular que eu sequer consigo começar a compreender. Talvez você possa me ajudar nisso (apesar de que eu acho difícil).

Bem, ela chegou as 17h, com uma mochila nas costas e uma garrafa de vinho tinto seco. A encontrei no ponto de ônibus e fomos ainda num mercadinho para que ela comprasse uma carteira de cigarros e um isqueiro. Ela parecia cansada, mas ainda assim eu via um ânimo quase frenético emanando dela. Quando chegamos em casa ela pediu para ir ao banheiro e trocou de roupa. Tirando a calça jeans e a camiseta e colocou um vestido florido, meio surrado. Não demorou pra que eu percebesse que ela não usava nada por baixo do vestido.

Ela foi pra a janela e acendeu um cigarro e se virou pra mim com um sorriso. O tipo de sorriso que desarma qualquer um. Mas eu vou poupar você dos detalhes menos interessantes e simplificarei dizendo que a noite foi fantástica. Sensual, etílica, canábica, erótica, musical... tudo isso de um jeito muito fluido. Em certo momento, estávamos os dois completamente despidos e jogados no chão da sala, com ela me provocando constantemente, arrepio atrás de arrepio. Depois fomos ao quarto e transamos mais duas vezes. Eu dormi primeiro e quando acordei, vi que ela estava andando inquieta pelo quarto, com um dos meus textos impressos na mão. Percebi que ela tinha lido vários deles enquanto eu dormia.

Ela virou para mim e perguntou se as mulheres em meus textos eram reais. Eu respondi com toda a sinceridade que havia dentro de mim, mas aquilo parecia lhe doer mais do que o normal. E ela me disse que não poderia se envolver com um homem como aquele que estava retratado em minhas páginas. E que sobretudo, não queria ser como uma daquelas mulheres.

Discutimos por algum tempo sobre o assunto, depois transamos e ela foi tomar um banho. Quando ela saiu, eu percebi que estava tudo acabado. Resolvi não questioná-la em sua resolução, e ela foi embora. Mas não antes que eu a visse chorando do lado de fora, como se aquilo tivesse realmente lhe doído. Não vou fingir entender as motivações dela, mas também não dá pra saber o que o passado das pessoas esconde. Apesar de eu não fazer muito esforço para esconder o meu. Agora acho que vou voltar para o vinho que eu ela deixamos pela metade. Devo te enviar essa carta enquanto ainda estou bêbado, e espero que você não esteja sóbrio quando for lê-la.

Abraços,

Rômulo.”

Enviei o texto ao meu amigo e tomei um gole de vinho diretamente da garrafa.

Decidi que iria dormir depois de esvaziá-la e esperar que o dia seguinte não me trouxesse uma ressaca, tão amarga quanto a própria bebida com a qual eu me embriagava.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 10/06/2018
Código do texto: T6360174
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