Desligue as panelas

Toda manhã acordava antes do despertador. Ficava minutos olhando pro teto, até o alarme tocar. Fazia o café, preparava a mesa, enquanto sua esposa colocava função soneca. Trocavam um seco bom dia, e calado se arrumava para o trabalho.

Era costume desejar um “ fique com Deus” quando saia. Tão costumeiro que nem era mais de coração. Quando chegava do trabalho, sempre encontrava sua esposa fazendo o jantar. Trocavam poucas palavras. Ouvia sem escutar.

Toda noite antes de dormir, uma inundação de pensamentos invadia sua mente. Aaah dona Insônia. Mas já era acostumado. Eram suas horas de reflexão. Uma pena serem negativas. Ah ele observava todas as farsas…. Mas o problema é que nunca soube como expô-las . E vivia no silêncio. Silêncio por fora, peso enorme por dentro.

Mas num dia normal, algo saiu da rotina. Sua esposa acordou. Que surpresa. Não havia café, nem havia bom dia. Engoliu seco e levantou. Seu marido sentado frente o espelho, apático, tentava arrumar a camisa.

Ela também quieta, preparou o cafe. Foi até ele e deu o nó em sua gravata.

Ele foi até a mesa, tomaram café. Não desejaram um “vá com Deus” dessa vez.

Escureceu. Ele chegou do trabalho. A esposa fazia o jantar como de costume, foi interrompida. “Você pode me ouvir?” Ela desligou as panelas. E mesmo com medo da reação ele disse: “ estou cansado…. Não me sinto feliz como finjo estar” e se calou. Ela apenas o abraçou. E naquela noite, mesmo sem dito mais nada, seus pensamentos deram mais espaço pro sono. As coisas pareciam mais leves. No dia seguinte ao sair pro trabalho, encontrou na carteira um bilhete:

“ Desligarei as panelas todas as noites quando você chegar.”