COMO COMER E BEBER SEM CONVITE

Judeu esperto, amigo íntimo de empresário de tevê e revista. "Compadres" discutiam à distância, som de iídiche, socos na mesa, xingavam--se talvez, a brigalhada 'infantil' acabava quando ELA (aprendeu!) gritava SHALOM perto do telefone.

A micro empresa, proprietário também judeu, na zona sul carioca, administrava um sistema de créditos comerciais para comércio diversificado - lojas, geralmente sem muita dimensão, sem este setor, e neste caso o cliente acertava documentação no 'outro' ambiente específico. A moça versátil o secretariava - cuidava de correspondência, arquivos, folha de pagamentos, redigia anúncios, selecionava currículos recebidos... e admirava o chefe apátrida na identidade, poliglota no cérebro, criativo, enciclopédico, pseudo diplomata adepto a rabinos, padres e pais-de-santo, de sexta a domingo, ateu nos outros dias.

ELA possuía um vestido 'tubinho', nome da época, ajustado, lã xadrez, preto e branco, bem feito em casa (figurinos de que transcrevia moldes): amiga invejosa bota defeito quando vem a saber que não é de loja cara. Segredo: e possuía também meia de nylon, dourada, tipo comprado em feira-livre, sobre um jornal no chão (mais fácil vendedor honesto fugir com a chegada do "rapa", recolhedores de propinas ou recolhiam tudo, horror dos ambulantes). Bom, traje completo muito bonito.

Assim, o chefe sugeriu que viesse no dia seguinte com esse vestido, a meia brilhosa e sapato fechado meio alto, pois teriam um trabalho fora do escritório. Ora, tomaram um táxi de Copacabana até o centro da cidade. ELE soubera do lançamento de carro granfino em determinado espaço aberto - loja voltada para a rua. Cumprimentou em francês os dois seguranças atônitos na porta e entraram. O carro /deslumbrante!/ sobre um aparelho giratório, de vez em quando uma recepcionista abria e fechava as portas.

Circulavam bandejas com refrigerantes, bombons, docinhos e salgadinhos. ELE não deixou perceber, mas escolheu ao acaso homens maduros para diálogos rapidíssimos, em frases combinatórias com os tipos masculinos, muito mais velhos, geralmente gordos, menos velhos, cabelos quase pelos ombros, com ou sem anel de grau ou aliança na mão esquerda. "Mudou de banco? Há muito tempo não o vejo..." - "A esposa lembraria de mim? Sou aquele com quem ela conversou muito........." - Shalom!" - "Desculpe, eu o confundi com outra pessoa..." - "Curso superior diz tudo!" - "Vi você num elevador, mas me pareceu muito bem acompanhado, nem cumprimentei...' - "Cruzei com você, buzinei, mas o sinal abriu..." - "Barriguinha de cerveja, hein?"

Bandejas foram pouco a pouco se esvaziando. Comeram, beberam, satisfeitos em quantidade e qualidade. Para a moça as frases pareciam muito suspeitas /e eram!/ - secretárias conhecem muito bem os chefes........ Todos os casuais temas coincidiram na sorte porque não houve contestação. ELE a segurou pelo braço, primeira vez em ano e meio de convívio respeitoso: "Vamos, querida!" Saíram.

Na rua, frase esclarecedora entre risadas: "Verstehst du?!" (Alemão - Você entendeu?) No edifício ao lado, poucos candidatos a emprego /tempo ainda longe de crise.../ fizeram testes - ELA não se envolveu. Distribuiu papéis, canetas... esperou, recolheu papéis.

Hora adiantada, cada um se dirigiu a sua própria casa, em bairros distantes um do outro.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 23/06/2018
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