TELEFONE SINISTRO...

Tenho AMIGA irracional - curso superior, professoríssima, porém dividida (bipolar é "outra" coisa...) em 'ser ou estar', diplomata astuciosa de metáforas em dobro, isto é, quadrúplos sentidos - típica mercuriana. Perceberam o signo? As boas linguas dizem que o dela completa o meu, típico; diverte-se com minha direção única de comportamento acarneirado, 'sou da frente, vou derrubar', impulsivo, imediatista, reto, prepotente. Perceberam o meu?

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Passemos de ASTROLOGIA a TELEFONIA.

ELA ama (ou amava?) um telefone.

No passado, loja comercial do pai, e a guriazinha corria para atender: "Quer ouvir uma estória?" (Conhecia Grimm e Perralt decoradinhos.) Um minuto. "Pai, o malcriado falou assim: "Engano!" Eu não enganei ninguém. E desligou."

Na atualidade, num destes dias de crise emocional, sentiu ausência de receber um telefonemazinho, não ficava bem falar com os móveis e as paredes, horas de aparelho mudo. O narrador aqui citando CAMÕES, vocábulo em desuso: 'Ledo' (prazenteiro?!) engano! Foi pensar e aconteceu.........

Sim, aconteceram claríssimas e descaradas tentativas de extorsão.

1-Voz de novinho informando sequestro do filho dela ("Eu não tenho filho...") - ele não desistiu; aí, o rapazinho foi arriscando: "...neto...sobrinho...afilhado...irmão..." - muitas negativas; ao fundo, um aviso em voz alta: "É o último!" - reconheceu voz e mensagem, despachante de ônibus, não muito longe de casa, avisando sobre o último veículo naquele dia para o centro da cidade. O cara se apavorou, desligou.

2-De banco onde em verdade tem conta, ameaça de fechá-la: falso recado sobre cheque sem fundos, depositar valor (alto!) num outro banco etc. etc. etc. - acontece que não tem talão de cheques há mais de um ano, usa o cartão de débito. ELA se irritou, desligou.

3-"Sequestramos a tia (não é tia) daquele moço que foi gordo (fez cirurgia) e mora aí na casa dos fundos (o terreno é grande espaço familiar com mais de uma construção, casas independentes)." Vizinho barra pesada, por certo, ou engraçadinho bobão tentando assombrar à toa... Perfeita descrição física da 'coitada sequestradinha'; parecia estar ao espelho, ELA ironizou: "Não devolva. Afogue na *praia de Ramos, que ela adora aquele lugar!!!" Rememorou um tempo feliz, desligou.

4-"Banco" pedindo para confirmar dados cadastrais, respondeu que estivera lá dois dias antes - telefonema iniciado com "Aqui é do banco A", terminado com "O banco B /mudou rapidinho?/ agradece a sua atenção".

Muitos telefonemas inúteis numa única tarde.

Não extorsão (ou mais discreta) - oferta de empréstimo consignado, associação a determinada clínica, pedido de colaboração para asilo e orfanato... Recusou tudo, desligou.

Porta aberta à noitinha, calor carioca muito acima de 40 graus, incrível Husk Siberiano de olhos azuis (espantosamente mudo!) que vizinha pobre e humilde achara na rua abandonadinho e imundo entre vira-latas, entrou louco-furioso, foi direto no fio de telefone, enrodilhou-se todo e caiu morto. (Diagnóstico posterior de zoonose letal, raiva, mas não mordera ninguém).

Novo aparelho telefônico? Com todos os contratempos, pensou numa frase de poema: "Resistir quem há-de?" (Luiz Guimarães, "Visita à casa paterna").

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LEIAM meus trabalhos "Toca, desgraçado, toca!" e "Telefone - os prós X os contras".

NOTA DO AUTOR:

PRAIA DE RAMOS - Praia suburbana carioca. Limpíssima e pouco frequentada nos dias ditos 'úteis', num tempo remoto, ELA informa primeira metade da década de 60, recreação sem nenhum perigo em certo período da vida, filosofia diária durante meses de desemprego, sentada na areia olhando o aeroporto em frente, o mar tranquilo e o céu azul.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 26/06/2018
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