NOTURNA, A BARATA (sem ser de KAFKA)

Numa crônica, JOSÉ CARLOS OLIVEIRA, capixaba, boêmio, contava - por certo na sua fase de jornalista "carioca" - de uma barata que lhe aparecia na cozinha da pensão todas as noites. Parecia uma censora simultaneamente preocupada com sua forçada "alegria" alcoólica, mas não era mulher para lhe fazer um chá... (A minha /não estou confessando meu real estado civil/ me 'fuzilaria' com mil discursos antes, ameaçaria com 'chá' de cianureto e mandaria dormir três a sete noites no sofá...) Habituou-se à companhia do inseto, depois iam dormir, separados, é claro. Botou o nome de Iolanda - não lembro explicação ao leitor.

Tenho uma estante para livros e outros guardados, inclusive apostilas e vagos sonhadores folhetos turísticos, Quer eu queira ou não, é muito papel. Rasgo as inutilidades, estoque de recortes de jornal não acaba nunca... Andei vendo regularmente uma barata noturna, sempre fugidia a minha perseguição, fosse com a havaiana ou com a citronela. Foi até engraçado. Comprei dois sprays enormes na época da maior mosquitaria, usei algumas vezes, simplesmente ambos desapareceram; na certeza da posse, sou um tanto (só um tanto?) mão fechada, não comprei outros - ontem "reapareceram" no depósito de produtos de limpeza, mesmíssimo lugar. Sei lá se a barata pode ter fada-madrinha que produz invisibilidade?! Hoje, uma segunda-feira de semi calor, dia casual de folga no trabalho, e a 'bendita' veio me desafiar, chegando desde cedo bem pertinho de mim ao computador, vinha e ia embora, em possíveis e provocadoras gargalhadas silenciosas. Depois, por uma fresta, entrou na gaveta do armário menor, toalhas de banho em reserva e roupas de cama, precisamente cobertores nunca usados a partir de outubro, saiu em segundos. Arrisquei chamar "Iolanda", parou, sacudiu antenas como quem atende (ou nega?), talvez tenha herdado o nome de ancestral... Abri a gaveta. Não contei um a um a boa quantidade do que devem ser ovos... Limpei, passei pano envolvido no óleo com cheiro de limão. Muita roupa a ser lavada! Em desafio, ela entrou numa segunda gaveta, ou em ato de fuga ou para se mostrar a rainha da casa na ausência do rei sem coroa. Certos objetos que ganhei de um primo safado que durante anos choramingou má sorte, pedia doação de dinheiro e me agradava (?) mandando presentinhos, objetos gratuitos para ele. Eu pedira que no mínimo lesse 10 dos meus trabalhos e comentasse... Fez grosserias pesadas, ilógicas, que eu "não existia" (como?), era uma fraude da Internet e minhas fotos deveriam ser falsas (não entendi!); cortei todos os contatos e não lembrava possuir ainda 3 CDs do Estado longínquo onde ele reside há uns quinze anos - Iolanda dessa vez foi útil, redescobri os agradinhos de interesse, queimei-os lateralmente ao gás e coloquei na sacola de lixo. Limpei com cuidado os outros guardados - controle remoto, radinho de pilha, mini ferro de passar roupa em viagem (para onde?), abajur dobrável de mesa, fios desconexos, microfones para computador. Gaveta e objetos soltos a um canto do quarto, a espera no chão! Não sei onde andava iolanda nestes minutos. Reapareceu. Terceira gaveta: entrou. Saiu. Saudade! Tantos anos... Memória altamente afetiva, cinquentão em lágrimas internas. Recordo minha avó filósofa juntando retalhos diversificados e confeccionando a mão algumas colchas, uma das tais ainda comigo. Comigo, mas não por muito tempo, roída em vários lugares, preferencialmente nas partes acetinadas ou muitocoloridas - barata de bom gosto. Queimarei (ou cremarei?)com solenidade. Um tapetinho de banheiro e tampo do vaso sanitário, nenhum vestígio de uso - enxoval para futura noiva? - lavarei.

Gavetas limpas, citronelizadas, empilhadas. Eu iria arrumar de volta ao armário menor, porém..................................

Tenho uma professora de português on line no Rio de Janeiro. Mesmo perto ou já doutor, um cavalheiro distraído precisa sempre que a dama o insira nos mistérios da ortografia e da pontuação. Ela existe (ai que meu primo a renegue!) - não é fraude, garanto, já a chamei debochadamente de "Senhora X" há sete anos atrás, antes de maior intimidade. Corrige meus textos, dá palpites, pesquisa e acrescenta partes às quais nunca estou atento como necessaríssimas - "notas do autor", por exemplo. Sumida há cinco dias - eu demoro a me preocupar, assumo. Na verdade, machão, eu me finjo desinteressado. Explicou retorno somente hoje à tarde; respondi e falei da barata; não me adivinharia em casa e às voltas com iolanda. (Falou que possuíra o tal livro de contos-crônicas do JOC, "Os olhos dourads do ódio", destruído por... traças imediatistas.) Sem a fatídica Internet neste "longuííiíímo período", após chuva rápida em seu bairro! (Fantasia da minha parte dizer que ela dormiu muito mal, sonhava em pesadelos comigo e não se alimentou adequadamente...) Leu minhas recentes publicações, 7 entre sábado e domingo, escreveu comentários em geral, e me devolveu 9 trabalhos corrigidos......... e aumentados. Amplia tão bem que por vezes não sei onde escrevi, onde ela escreveu.

O dia se foi.

Não vi iolanda pelo resto das horas. Terei faculdade e chegarei bem tarde... Em horário fixo noturno, certamente a barata ainda irá me reaparecer ao final da noite.

Ciao, bambina Iolanda!

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LEIAM meus trabalhos "A barata andarilha e o gato vagabundo ordinário", "A ratinha tímida (no fundo do saco) e o camundongo abusado" e "O enterro dos urubus".

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 21/07/2018
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