O Homem Nu

Antes, não havia em mim entendimento para mãos dadas na rua, beijos demorados e luzes apagadas até o dia em que, por engano, abri uma porta e vi, pela primeira vez, um homem nu. Não era um homem como meu pai, era um rapaz quatro anos mais velho que eu. Ele era bastante míope, e, se não fosse por enxergar pouco, se não fosse pela busca dos óculos atrapalhadamente perdidos, talvez eu não tivesse me dado conta da falta da sua roupa, e talvez meus olhos não tivessem se adaptado ao homem nu que ele era.

Recordo-me desse episódio quase todos os dias, principalmente, nas tarefas domésticas. Guardar comigo essa lembrança, meu segredo mais inconfessável, imprimiu à minha personalidade toques de desejo, volúpia e mistério. Então, levaram-me um espelho para que eu visse meu rosto ao lavar os pratos, mas eu não tinha culpa. Era o rapaz sentado à mesa a agradecer a presença de todos. Era sua mão a passar os pratos, a cortar a carne, a levá-la a boca; era a marca das digitais nos talheres descansados sobre a mesa. Mais do que me deparar, pela primeira vez, com um homem nu, foi observá-lo, pela primeira vez, levar comida à boca.

Antes, não havia em mim entendimento para mãos dadas na rua, beijos demorados e luzes apagadas até aquele dia em que ele recolheu todos os pratos do almoço e, pela primeira vez, senti o cheiro de um homem dentro de sua camisa branca.

Durante um certo tempo, construí uma teia de coincidências, de encontros, mas, às vezes, acho que tudo foi uma trama ambígua para que ele nunca fosse meu de fato, para que fosse apenas memória, como ainda hoje é, enquanto junto os brinquedos de meus filhos espalhados pela sala, enquanto vejo pela janela a cidade noturna, pontilhada e escura. Às vezes, acho que construí uma teia para que ele fosse a imperfeição necessária de meu álbum de família, o galho frágil de minha árvore, o dia em que, por engano, abri uma porta.