Sonho de princesa

- Se comigo casares, serás a rainha do meu castelo!!!

Aquela frase de efeito soou deslumbrante na mente da sonhadora Mariana. De luxo ela nada conhecia; na casinha humilde de seus pais, o pouco era suficiente para viver.

Nem se demorou, portanto, para dar o tão esperado “sim”.

Foi o casamento do século na pequena cidade de Plimplimplim. Enquanto as alcoviteiras destilavam venenos de inveja, os comes e bebes eram distribuídos a vontade para todos os moradores. A festa durou quase dois dias.

Depois disso, os noivos felizes rumaram para Pirlimpimpim, a cidade do noivo, que ficava a poucas milhas dali. A doce Mariana nem acreditou quando se deparou com o tamanho da mansão. Estava vivendo um verdadeiro conto de fadas, só faltava o cavalo branco. Naquele momento, teve certeza de que nascera para viver e ter um final feliz.

Ela não contava, porém, com as variações de humor do seu marido. Num piscar de olhos o belo príncipe desencantou. “Essa comida tem gosto de lavagem, mulher.” “Minhas calças estão amarrotadas, não sabe nem passar uma roupa direito”. “Trabalhar? Mulher minha não trabalha, já te dou tudo que precisa”. “Você pensa que sou um porco pra viver numa casa desleixada como essa?” “Olhe pra você: não se cuida mais, parece um lixo humano.”... Os abusos e as humilhações eram intermináveis. Ela perdeu as contas de quantas vezes levou tapa na cara, soco no estômago, pontapés no traseiro, safanões nas orelhas, bordoadas na cabeça, rasteiras e empurrões. Num desses espancamentos, grávida, quase perdeu o filho mais moço, fruto, aliás, de uma brutal violência sexual.

Para os de fora, entretanto, sua vida era de puro glamour. Por dentro, sua alma gritava. Bem que ela poderia ter voltado para Plimplimplim, mas não queria ser motivo de chacota das moças invejosas da pequena cidade. Ainda mais pobre, sem formação, sem profissão e com cinco filhos nas costas. Também não tinha coragem de jogar mais esse fardo para os seus pais, que já passavam por tantas necessidades. Resignou-se. Pelo bem dos filhos teria de ser forte.

As crianças continuavam, dia após dia, a ouvir através da porta do quarto pancadas e choros abafados. Mas no dia seguinte, lá estava aquela dedicada mãe a ensinar aos filhos as lições da escola, incentivando-os a estudar sempre. “O conhecimento salva vidas”, pensava esperançosa. Quem sabe com os filhos formados e bem de vida, eles pudessem ampará-la no futuro. Esse era o seu alento e a sua motivação de luta.

***

Já se passaram longínquos cinquenta anos que Mariana, a sonhadora, pôs os pés pela primeira vez naquela mansão do horror. O marido já se foi há quase dez, a tuberculose não o perdoou. Hoje, já idosa, a valente heroína não quis permanecer naquele lugar nefasto que tanto sofrimento lhe causou. Os filhos, todos formados, com família constituída e dispondo de um bom capital disseram-lhe, todavia, não poder abrigá-la por falta de espaço e pelo trabalho dispendioso que um velho dá.

Resignou-se novamente e voltou chorosa para Plimplimplim, onde vive solitária no antigo sobrado que fora de seus pais. Sua família agora é ela mesma. E o final feliz? Essa é uma lenda que já se dissipou aos ventos que sopraram melancólicos anos atrás...

Aline Teodosio
Enviado por Aline Teodosio em 27/08/2018
Código do texto: T6431877
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