Sobre mulheres, balas e eventuais drogas leves

- Suas histórias sempre começam ou terminam com sexo, sempre com um tipo diferente de mulher – Ela disse, ao telefone.

E eu achei que não tinha nada para lhe responder, então fiquei calado.

- Você deve ser um tipo de obcecado – Ela continuou.

- É?

- Sim. Mas por algum motivo eu gosto de ler as coisas que você escreve.

- Quer sair para tomar uma cerveja? – Perguntei-lhe.

- Não sei se devemos.

- O que nos impede?

- Na verdade, nada.

- Então por que não?

- Porque eu não quero ser mais uma delas.

- Ah, sim.

- Não é por nada. Eu só não sei se quero começar mais uma história com alguém.

- É justo.

- Você ficou chateado?

- Não. Está tudo bem.

- Vou esperar ansiosamente pela sua próxima história.

- Está certo.

Ela desligou, e eu larguei o celular no sofá da sala, como se não fosse algo muito importante. Fui até a janela e fiquei observando os ônibus passando pela avenida.

Não deu cinco minutos até que a campainha tocasse. Andei até a porta e vi Nagara lá, com sua barba grossa e trançada e um brinco de argola pendendo da orelha esquerda.

Eu abri para que ele entrasse e ele me deu um abraço e se acomodou na sala.

- Gostei do AP, cara.

- Obrigado. Quer uma cerveja?

- Por favor.

Fui até a cozinha e peguei duas latas.

Quando retornei à sala ele estava sentado no chão, com uma das minhas gatas no colo.

- E ai? Para onde você quer ir hoje?

- Qualquer lugar que dê pra conversar e não falte cerveja.

- Ah. Podemos ir pra o centro... O que não falta é bar pro lado de lá.

- Ok. Só me deixa tomar um banho.

- Tá. Vai sem pressa. Ainda tá cedo.

Eu bebi boa parte da lata numa golada e fui para o banheiro.

Quando retornei, Nagara estava sentado na varanda acendendo um cigarro. Dava pra ver a carteira de Gift semi exposta no bolso de sua camisa. Pelas bitucas amassadas no parapeito dava pra ver que não era o primeiro.

- Você está meio estranho, cara. – Ele falou depois de uma tragada.

- Não é nada. Nada demais.

- Mulher?

- E quando não é?

Ele riu e se engasgou com a fumaça.

- É foda. Eu também estou meio encalacrado por causa de uma.

- Mas no meu caso não é nada pra perder muito tempo pensando. Eu só achei que era uma coisa, e no fim era outra.

- Acho que é sempre assim. O enredo às vezes varia, mas o resultado é o mesmo.

- Bem. Por isso que existe a cerveja, não é?

- A cerveja, o vinho, a cachaça e outras drogas leves recreativas.

- Claro, claro.

Juntamos nossas coisas e metemos o pé na rua. O busão passou logo em seguida e nós dois subimos e fomos até o fundo para nos sentar.

- Fiquei curioso sobre o que aconteceu com sua garota. – Nagara falou após se sentar.

- Ah. Acho que no fundo o que ela me disse não fez sentido nem pra ela. Mas eu fingi que estava tudo ok.

- Às vezes é bom evitar a fadiga mesmo. Mas como ela era?

- Tinha vinte e poucos. Vinte e um, eu acho. Bonita, inteligente, articulada. Gosta de ler minhas coisas, mas eu não sabia. Até que um dia ela veio comentar.

- E o que ela disse?

- Disse que gostava... Que achava profundo, intenso. Mas acho que se assustou justamente com isso. Falou que não queria ser só mais uma no meio das minhas histórias.

- Você tem que ver o lado positivo.

- E qual é o lado positivo nisso?

- Pelo menos ela colocou um fim antes de começar. Foda é quando o fim vem depois do começo.

- Não sei se te entendi.

- É assim cara. Quando aparece uma mulher e ela abre um buraco no teu peito e se enfia lá dentro... E de uma hora pra outra você se vê como um viciado seja no cheiro dela, ou na forma que ela te olha, ou como te chupa, ou te beija. E daí, quando decide ir embora, ela deixa o buraco atrás de si. É como se te dessem um tiro e você sentisse falta da bala depois de arrancarem ela de dentro do seu peito.

- Porra, é isso... – Respondi perplexo.

- Isso quando não somos nós que fazemos a merda, por tédio, canalhice ou imperícia mesmo.

- Bem. Acho que você está certo.

- No fim estamos fadados a esse ciclo vicioso de paixões e solidão. E por enquanto eu tenho preferido estar sozinho.

Foi quando o meu telefone tocou no bolso da minha calça.

Peguei o aparelho e vi uma mensagem.

“Acho que podemos tomar sim aquela cerveja”

Era ela.

Mostrei a mensagem a Nagara e ele sorriu.

- Está ai a sua bala, meu amigo, vamos ver se ela te acerta mesmo.

- Pode ser que sim, mas hoje prefiro me resumir à cerveja e aos amigos de mesa de bar.

- Parece mais do que o suficiente, meu amigo.

Descemos do ônibus e paramos no primeiro bar na primeira esquina mal iluminada do Centro do Recife. Ao descer, fomos lavados por um chuvisco leve carregado por um vento frio.

Era Setembro... Nada de novo a se esperar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 10/09/2018
Reeditado em 11/09/2020
Código do texto: T6445021
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