LEITURAS AFRICANAS, DÁ LICENÇA?

Componentes sociais e políticos intrinsecamente ligados à literatura. Os primeiros navegantes portugueses chegaram a Angola em 1482, ali encontrando um povo nativo puro e ingênuo, governado por Mani Congo, o rei do Congo, logo envolvido e batizado, permitindo ali a instalação de uma... "embaixada" portuguesa. Fundada a capital Luanda em 1575 e levas de portugueses brancos logo descobriram rendosa fonte de divisas - comércio de escravos, principalmente para o Brasil. Quatro séculos de província ultramarina lusitana, mas até que enfim o movimento nacionalista criando força e organização somente a partir de 1950. Nos anos 60, guerrilhas e diversas frentes de libertação; entre estas, o MPLA, o GRAE, a UNITA e a FNLA. Em 1975, Angola como nação independente, sob a presidência de AGOSTINHO NETO, líder do MPLA, porém agora a disputa pelo poder e grande envolvimento de potências estrangeiras. ----- Geograficamente, Angola situado na costa ocidental do continente africano, Luanda na zona litorânea. Maior curso d'água no país é o rio Kuanza, extensão acima de 1.000km, presença constante na vida e morte de Domingos Xavier e de todo nativo angolano - população composta de maioria negra de origem banta, falando português e dialetos nativos.

"A VIDA VERDADEIRA DE DOMINGOS XAVIER", romance-denúncia de JOSÉ LUANDINO VIEIRA. 1961. Estória direta e objetiva de um herói do povo angolano. Na retrospectiva histórica, e principalmente na esperança da liberdade, este livro aponta o fato com o desfile de heróis angolanos - sem enfeites nem grandiloquências: gente negra comum, subjugada, com as mesmas tristezas, amores e medos. Verdades com cheiro de injustiça. Personagens poucos - o povo: Vovô Petelo e o miúdo Zito, observadores da prisão do herói - o menino conduz o velho, marinheiro reformado de uma só nádega, conduzindo tambem o leitor pelos meandros da cidade, através dos musseques (favelas), do povo até as portas da prisão. Maria, mulher de Domingos, símbolo da mulher angolana, fiel "ao seu homem" (maior expressividade), pai de seu filho, companheira de luta, simultaneamente dócil, submissa, conformada, subjugada - sofrimento interior, incapaz de reagir - respeito e medo das autoridades. "Mataram o meu homem!" Xico Kafundanga, vida boa, acomodado no regime, se torna elemento de grande responsabilidade no movimento ao sentir o processo de transformação idealístico. Engenheiro Silvestre, branco de confiança, revolucionário, incógnito. Mussunda, alfaiate, líder, teórico-inteletual, orienta com calma e voz solene os companheiros. ----- Para LUANDINO, as pessoas não valem por seus sofrimentos individuais, torturas e o sacrifício da própria vida - são degraus da escada que conduzirão à libertação total. ----- Ah, o rio! Presença importante e fiel em cada capítulo, verdadeiro personagem de fundo, rugindo no silêncio da noite, correndo em suas águas os pensamentos de fuga do cativeiro, de limpeza e purificação de natividade e nacionalismo; rio como leão que vigia constantemente o homem nativo, ora ruge em defesa dos aliados ora acalenta os sonhos dos homens da terra. ----- Narrativa linear (tempo, espaço, ambiente físico). Panorama Luanda, do período colonial moderno, brancos são a elite em letras-imprensa-domínio, autoridades coloniais da "cidade branca", minoria populacional, porém a força política superior. Contraste com a "cidade negra", predomínio de musseques ao redor, proltários vindos do interior, plenos de tradições e valores nativos. ----- Grande denúncia desta luta desigual: tentativa de assimilação, pelos colonizadores brancos, da própria cultura negra.

FONTE:

"Presença da literatura africana", artigo de NILSON LUIZ MAY, médico e escritor brasileiro - BH, SLMG, n.699, 23/2/90.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 17/09/2018
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