Maria

— Maria — eu sussurrava teu nome quando desliguei o aparelho de TV que roubava minha madrugada. — Já é tarde, Maria, e eu vou me deitar neste silêncio de tantas portas, a maioria fechada ou despercebida; eu vou tentar ouvir todas as músicas do mundo nessa quietude, eu vou terminar aquele poema que nunca comecei, só para fugir do medo do silêncio.

Eu sussurrava — Maria, onde estão nossos pecados? No desejo, na inércia da noite, nos escritórios ou nas fábulas que encenamos pela vida afora, sem platéias?

O rubi que tu me roubaste, Maria, era do tamanho de meu coração, de uma taça de vinho, e o meu coração era do tamanho do teu sexo; o meu pensamento, e eu sei que já era tarde, cabia na tua boca, enrolado na tua língua que dizia: — Desculpa, meu amor.

— Desculpa um caralho!

— Não precisa ficar nervoso. Olha, tudo vai ficar bem. Esse amarelo no crepúsculo é só a hidra do tempo.

— É tarde, Maria. Não há mais tempo.

Talvez tu não soubesses que era tarde para o perdão e cedo para o pecado; que meus olhos estavam cegos pela navalha flamejante de teus dedos quando me acariciavam o cabelo; que aquele telefonema não era nada! Eu só te via renascer dos meus pulsos que pingavam a água infinita de Deus; tu, enraizada na minha carne, cravada na pedra dos meus poros, da minha pele, como uma tatuagem depravada… “Porra! Pára com isso! Nada vai ficar bem!”

— Assim não dá pra conversar!

— Me devolva… Me devolva os cacos do idiota que eu fui, acreditando no sorriso pálido das tuas mentiras, hahaha… Das nossas mentiras.

— Não precisa gritar…

— Eu grito! Eu grito porque sei que mais tarde eu vou sussurrar o teu nome.

Mas eu não vou te dizer isso agora, não. Eu vou apenas abrir essa porta para saber o que há do outro lado da cama. E na ebriedade de meus pulsos lambuzados de vinho amargo, vou deixar teu nome sussurrado nos rastros dos azulejos, profanados pela ausência de teus orgasmos, dizendo:

— Maria, é tarde, Maria.