Questão de Ética

Sem tirar você do sofá reconto o que o meu amigo Antônio relatou, então pra registrar, gostaria de convidar vocês também a pensar.

Antônio e sua esposa começaram logo cedo uma discussão:

- Amor vamos a mosqueiro? Assim disse a mulher.

Antônio sem muita vontade de sair de casa argumentou:

- amor, você já viu pra quanto subiu o preço da gasolina?

- Não, disse ela.

Completou ele: então vou só te atualizar que em Brasília a gasolina foi pra 10, reais e pouco; em Recife 9, reais e pouco. Imagine quanto deve ter amanhecido nos postos aqui em Belém?

Ela não se conteve e disse: - Mas amor, o nosso tanque está cheio e a gente vai gasta meio tanque só. Se subiu o preço, mais cedo ou mais tarde teremos que comprar, ou então vender o carro.

Depois dessa discussão o Antônio resmungando sobre a situação acabou cedendo a insistência feminina, que não há quem resista, e eles foram se arrumar.

Tudo devidamente no lugar, Antônio verificou o óleo e a água do radiador popularmente falando e lembrou do documento. Fez procuração no porta luvas, onde é comum ficar e não encontrou.

Então chamou a sua esposa e perguntou:

- Amor você viu o documento do carro.

E ela de pronto indicou:

- ele está no porta luvas.

Ele então disse:

- Não, não estar.

Aflita ela procurou. Eles procuraram. Reviraram a casa inteira, até que cansados resolveram dar por perdido. E dessa forma a viagem foi cancelada para alegria do Antônio e tristeza da mulher.

No entanto outra preocupação transformou-se num monstro. O documento, onde estaria e como eles agora poderiam sair sem esse documento.

Na reflexão a mulher disse a ele:

- Meu bem, vamos a uma delegacia registrar uma ocorrência, para termos um documento com a finalidade de emitirmos outro.

Ele prontamente concordou e ambos foram de ônibus até a delegacia mais próxima. E lá chegando, por volta das uma e meia da tarde, sem muita gente e também sem o delegado, que segundo os comentários estava atendendo a uma ocorrência.

Na oportunidade, que tiveram falaram aos escrivão, que os mandou aguardar, visto que ele estava de saída e que rapidamente iria dispensar as pessoas ali, pois se tratava de uma briga de casal, que segundo ele não iria dar em nada.

Quando foram chamados o escrivão explicou que já ia fechar a delegacia, pois estava só ele e que nem tinha almoçado e falando paulatinamente verbalizou:

- Amigos, ainda não almocei e estou saindo de um plantão. O delegado me deixou aqui e evadiu-se. Estou estourado.

Diante dos queixumes, Antônio e a sua mulher apenas se olhavam e foi nesse silencio cativo, que o escrivão encontrou espaço e falou impunemente:

- Meu amigo, será que você pode me dar o da merenda pra eu fazer essa sua ocorrência?

Antônio constrangido, sem saber o que fazer ou pra onde correr, olhou pra mulher que estava indignada, doida para explodir diante do pedido, só fez como reação apertar a mão dela fora do alcance da visão daquele servidor, como recado para ela ficar quieta. E com a cabeça, já sem muito cabelo gesticulou ao escrivão que sim.

O escrivão muito à vontade, satisfeito o seu desejo comum a muitos e muitos servidores, começou a falar sentindo a ignorância ou necessidade dos cidadãos serem omissos:

- Sabe meus amigos estou cansando porque, ontem apresentei um trabalho sobre ética na Universidade, e foi um trabalho. E de lá vim pra cá, pois o delegado de plantão tinha que ir pra sua casa e eu vim rendê - lo. Estou mal amanhecido porque aqui nem dá pra dormir direito, apesar do ar, tem muito carapanã e você sabe, não é a nossa casa. Antônio sob efeito da coação, concordava com a cabeça e só fazia segurar a mão da mulher pra não dizer nada.

E seguiu ouvindo o que o escrivão dizia:

- sabe eu faço letras, estou terminando. Mas se deus quiser vou fazer direito, pra tentar um concurso pra delegado. Ele ganha mais e ainda tem as gratificações. Piscando o olho, insinuando outras remunerações, que para os comuns são atos ilícitos. Nesse tema permaneceu mais um pouco e disse:

- sabe como é a situação não está fácil pra ninguém e a gente precisa se defender. É como eles falam por aqui, “a gente se defende.” Pois não tá fácil né compadre? E entregou ao Antônio o documento físico da ocorrência, mediante ao pagamento de vinte reais.

Antônio e sua esposa, já fora do espaço da delegacia indignados, foram para casa como bons brasileiros. Terminando o dia rindo em seu quintal com uma carne na grelha, uma cerveja e o futebol na tela da televisão.