O Ataque dos Pássaros

Existem duas situações em que os animais se sentem ameaçados ou acuados e, portanto, propensos ao ataque: uma diz respeito à defesa do território. A segunda se refere à caça. E com os pássaros não é diferente, sobretudo quando se trata de alimentar-se.

Foi o que aconteceu na Praça da Piedade, em Salvador, quando um bando de pombos provocou uma das mais inusitadas cenas do local. Passava do meio dia quando transitava por ali uma distinta senhora e sua sobrinha com destino à Estação da Lapa, quando foram surpreendidas com a presença de um pombo que pousara sobre o ombro de Priscila, a sobrinha dedicada que sempre acompanha sua tia Francineide em seus compromissos no centro da cidade. – Olha que fofo, tia Francis! – teria dito Priscila, que segurava um saco de pipocas. Encantada com a presença da “inocente” ave, que não tirava os olhos de sua pipoca, a jovem não percebera que no entorno da praça, sobre a copa das arvores centenas de outros pombos estavam à espreita esperando o momento certo ou a ordem de um líder para atacar.

Porém, no que parecia ser um sinal, o pombo aplica uma bicada no pescoço de Priscila e todos os outros saem em revoada, de seus esconderijos, em direção ás vítimas. Numa ação coordenada um grupo ataca o saco de pipocas, enquanto os outros desferem um ataque feroz às moças que se debatem violentamente. Na tentativa de desvencilhar-se, Francineide cai batendo a cabeça no banco da praça enquanto Priscila adquire alguns hematomas além de um torcicolor. Nesse momento, uma viatura do corpo de bombeiros (baseado na Ladeira da Praça e, portanto, próximo ao local do ataque) é acionada tendo no comando o capitão Tadeu que na chegada toma uma decisão estranha, fora dos padrões da corporação: o capitão ordena aos seus comandados que saquem suas mangueiras e apliquem poderosos jatos d`agua sobre as aves, atitude que é imediatamente repreendida pelo sargento Moraes – Oficial da PM que passava pelo local.

O sargento Moraes conseguiu evitar a possível matança de pombos na Praça da Piedade, mas não pôde impedir o embate ideológico perpetrado pelo capitão Tadeu que questionava o tempo todo a autoridade do soldado.

Enquanto as duas patentes não chegavam a um acordo com relação à sanção que seria imposta aos pombos, as vítimas continuavam deitadas sobre a grama à espera de socorro. Nesse momento uma passeata, integrada por defensores dos animais, fazia imenso barulho pedindo a absolvição dos animais domésticos que, segundo eles, vivem em cativeiro.

Liderando a manifestação estava a ativista radical Elinalda Santos, professora da Rede Pública de Ensino, integrante da Sociedade Protetor dos Animais e militante do PV (Partido Verde). Elinalda é irmã e tia das vítimas e ao tomar conhecimento da situação é subitamente tomada pelo sentimento que outrora a fez decidir sobre suas convicções políticas: Esquerda/Direita. Do lado direito estavam Priscila e Francineide – inertes, indefesas à espera de socorro; já do lado esquerdo, alguns pombos prestes a receberem uma sentença que poderia significar o recolhimento deles para um pombal do Estado.

Indecisa entre o auxílio às vítimas (suas parentas) e a absolvição dos pombos, Elinalda surpreende e opta em ajudar os pombos, provocando indignação em sua sobrinha que mesmo machucada consegue levantar sua tia Francis e, juntas, furam o bloqueio da multidão e chegam na Estação da Lapa.

A Estação de Transbordo da Lapa estava passando por reformas estruturais devido à conclusão da linha 1 do metrô de Salvador e por isso as filas nos pontos de ônibus eram intermináveis, aumentando ainda mais o stress e a aflição da dupla que ao entrar num ônibus lotado com destino ao bairro da Barra ainda tiveram que ouvir discursões de dois grupos contra e a favor do metrô.

Ao chegar em casa, Priscila estava transtornada enquanto Francineide, ainda lúcida, tentava explicar o ocorrido aos familiares deixando todos atônitos principalmente Fabinho (sobrinho de Francis e irmão de Priscila) que falava o tempo todo em “ir à forra”, sem antes se ater da veracidade dos fatos.

No dia seguinte, ainda em choque, Priscila não consegue relaxar e entra em pânico quando liga a TV e se depara com personagens cujo sobrenome remonta à idéia de pássaro como: Lôro José, Sandra Passarinho, Igor Canario... Porém, a salvação foi assistir à sessão coruja mas o filme exibido foi “Os Pássaros”, de Alfred Hitcoc, cujas cenas, terríveis de ataque de pássaros, só fizeram aumentar o pânico em Priscila que, com gritos estridentes, provocou uma insônia coletiva no bairro e a consequente intervenção de vários órgãos de governo que não se entendiam quanto a que providencia adotar.

Contudo, a participação da Vice-Prefeita, Célia Sacramento, foi fundamental para pôr fim ao sofrimento de Priscila. Sacramento é do mesmo partido de Elinalda (PV) e entendimentos políticos junto ao governo do Estado, através da Secretaria de Segurança Pública conseguiram elucidar uma onda de crimes e assaltos na cidade. Tratou-se da prisão de um perigoso bandido que atende pela alcunha de “Pombo Sujo”.

A prisão do bandido não tinha nenhuma relação com a situação de Priscila e sua tia, mas a simples menção de “Pombo Sujo” já provocava na garota um certo alívio e uma sensação de liberdade.

Assim, de uma maneira inusitada, o ataque dos pássaros na Praça da Piedade transformou Priscila em celebridade local ao contribuir, de forma indireta, com a prisão do bandido mais perigoso da cidade.

Niltonil
Enviado por Niltonil em 15/10/2018
Reeditado em 28/10/2018
Código do texto: T6477065
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