A tormenta (outubro de 2018)

A tormenta, conforme anunciada pela televisão, vinha forte com toda sua ira e já se podia avistá-la no horizonte. Através da janela blindada da sala de estar era possível ver os relâmpagos anunciando sua chegada desde muito longe. Era uma linda sexta-feira de verão, mas a contragosto teriam de ficar os quatro em casa por todo o final de semana.

Joaquim, Margot e as crianças Guilherme e Romilda teriam que suportar o estresse de se verem acuados em casa por quase três dias. Por isso, as crianças reservaram alguns jogos para se ocupar e o casal decidiu usar o tempo ocioso para cozinhar para toda a família. Retiraram o caderno de receitas do armário e o puseram perto do fogão.

Não sabiam qual a extensão dos estragos da tempestade, e para uma eventualidade, compraram velas e um isqueiro. Na eventual queda de postes de energia, saberiam lidar com a falta de luz. Os dois irmãos armaram no quarto de dormir de Guilherme uma cabana usando cobertores e edredons. Também se muniram de duas lanternas.

A tormenta, segundo o alardeado pelos meios de comunicação, traria danos desconhecidos; uma vez que não se podia calcular com precisão sua extensão. Mas era certo que danos sobreviriam da tal tempestade, e por isso o casal preparou um lugar seguro dentro da despensa da casa onde todos pudessem se proteger, caso necessário.

Fenômenos naturais como uma tormenta trazem consigo muito perigo, uma vez que é impossível prever com exatidão todo o estrago causado em sua passagem. A tempestade causa danos materiais, mas também psicológicos para pobres e ricos. Porém, sabemos que os cidadãos não têm iguais meios para proteger-se do embate com essas forças.

Para os mais pobres enfrentar a tormenta significa lançar mão dos artifícios que estejam a seu alcance. Para ir contra a tempestade é preciso ir contra a sua falta de recursos apropriando-se dos meios disponíveis e usando de sua criatividade. Contra a tormenta, é preciso proteger-se isolando as entradas da casa pregando nelas pedaços de pau.

Já ir à tormenta no caso dos mais abastados é menos difícil do que opor-se a ela à maneira dos desalentados, mas também é necessário lembrar-se de blindar todas as janelas, portas, e reforçar o telhado de forma a que a tormenta encontre dificuldades para varrer a casa do mapa. Apesar dos cuidados, nenhum esforço é garantia de sucesso.

Em relação a esse assunto, é certamente inesgotável. Talvez seja um consenso que a mesma tormenta não vem da mesma forma para todo mundo e que, para o pobre ou para o rico, o sofrimento tende a ser maior para o pobre que para o abastado. Quem dispõe de mais meios se vê menos fragilizado em vista aos danos causados pela tormenta.

A família abastada de Joaquim vê pela janela a tormenta se aproximar. Já ouvem trovoadas e é possível contar os segundos entre um relâmpago e outro. As crianças ficaram alvoroçadas com o acontecimento, talvez pela pouca regularidade do fenômeno. Em geral ocorre uma vez a cada ano, mas já fazia quatro anos que não acontecia assim.

Todos diante da janela da sala, discutiram sobre um nome para a tormenta. Guilherme lembrou a todos que lá nos Estados Unidos as tempestades levam nomes de pessoas. Margot, a mãe, pensou em nomear com o nome de uma bruxa boa; coisa que a pequena Romilda desgostou. O pai preferiu não dar nome e Guilherme apoiou a escolha da mãe.

Concordaram que nomear a tormenta com o nome de uma bruxa boa seria coerente com o que desejavam da tormenta. Jezebel foi o nome escolhido por soar como nome de bruxa boa e na imaginação das crianças ela estaria lá em cima, voando bem no meio dos relâmpagos montada em uma vassoura. Jezebel seria então o nome da bruxa protetora.

Os primeiros galhos das árvores, pequenos, começaram a atingir as janelas da casa. Muitas folhas também chegavam como resultado da proximidade da tormenta. Um rodamoinho pequeno formou-se no quintal, e isso trouxe até a janela algumas pedrinhas e muita terra. Guilherme afirmou que ouvia o vento assoviar.

A tormenta, afinal, não seria inofensiva: ouviram o ganido de um cão e avistaram-no no momento em que o pequeno poodle do vizinho foi alcançado pela tormenta. Não puderam fazer nada quando, ganindo muito, o cão foi arremessado contra a árvore do quintal. Quanta pena do animalzinho indefeso!

O pobre cãozinho não podia caminhar, possivelmente como resultado de danos às vértebras do animal. Seu ganido triste ressoava como se o cão estivesse conformado, como se fosse sabedor de seu próprio destino. Pareceu razoável concluírem que animais de casa, frente ao rancor de uma tormenta, sabem se comportar com resignação.

E, de repente, a corda do balanço amarrado à árvore do jardim rompeu-se e ele foi lançado longe, para longe da vista da família. Jezebel havia chegado afinal com toda sua força. O vidro reforçado da sala felizmente não se rompeu – mas isso por sorte. Tivesse o balanço sido arremessado contra a janela, o vidro possivelmente se fenderia.

A partir desse momento a família comportou-se conforme o planejado. Sabiam que a bruxa boa não os deixaria em paz por dois dias e por isso agiam resignadamente sempre depois de uma olhadela pela janela. Jezebel havia chegado sim para passar o final de semana com todos e, quem sabe, poderiam aprender alguma coisa com ela.

Mas, o que é que se aprende com tal força da natureza, tal tormenta que invade através das frestas das portas sem pedir licença, ameaça arrancar o telhado a qualquer momento, e que mata pobres animaizinhos que, com certeza, jamais fizeram mal a um gato sequer? E por que é possível uma tormenta levar consigo coisas de valor para o além?

Felizmente a tormenta não provocou a enchente do rio da cidade – ou o estrago causado seria muito maior. O importante é sobreviver à sua passagem: é rezar para que, em sua fúria inclemente, a força da natureza não castigue os bichos mais frágeis, assim como aqueles mais vulneráveis de casa, permitindo a todos igualmente sobreviver.