CROCHETEIRAS

Como acontecia em quase todas as tardes, ao longo dos últimos onze anos, lá estavam elas, recostadas em cadeirões de vime, na maciez das almofadas fofas, como os gatinhos das estampas coloridas. Raramente desviavam o olhar do movimento das agulhas, mesmo que as línguas se mantivessem, constantemente, ativas. Todavia, se o assunto escorregava para um tópico escandaloso ou polêmico, as pestanas se erguiam acima dos óculos, atentas e acesas.

- Depois de três anos de casamento tranquilo, Deise cismou de brigar com Mariano.

- Por que, uai?

- Ela diz que é de esquerda e ele de direita, e não se entendem mais.

- Minha Taís também é canhota, mas se entende bem com o marido.

Olhar consternado de todas as outras. Ninguém, porém, explicou o engano para Olga.

O importante era falar o que desse na telha, ouvir alguma besteira e levar o papo adiante, sem parar de crochetar ou perder tempo com detalhes e esclarecimento. Aliás, quanto mais confusão gerasse a conversa, mais interessante ficava, dizia sempre Lourdes. E foi justamente ela, quem provocou um fuzuê, assim . . . sem mais nem menos.

- A gente nunca deve deixar os outros saberem muito da nossa vida. Isso só faz mal.

- Que bobagem, Zuleide! Todo mundo sabe tudo sobre você. Até quem não a conhece.

- Você que pensa! Tenho muitos segredos guardados na manga.

- Lá isso é verdade! Tem gente que acha até que você já morreu.

- Que é isso, Lourdes? Que loucura é essa que está dizendo?

- Lembra que deu o número do meu telefone para deixarem recado pra você?

- Claro, né? Que isso tem a ver?

- Pois o banco ligou e disse que tem de ir atualizar seu cadastro do INSS e provar que está viva, senão seu “aposento” vai ficar bloqueado já no mês que vem.

Olhares cruzados, pestanas erguidas e risinhos disfarçados, para não magoar.

Do ponto correntinha iam saindo os altos e baixos, e dá-lhe musgo, fantasia, rendado, desencontrado, que iam se sucedendo e desenvolvendo como se as mãos não precisassem do cérebro para entender como entretecer a peça desejada. Nélinha chegou ao ponto de terminar um xale, e só depois de um elogio rasgado de Fátima se deu conta de que não crochetara um pulôver. Nada vendiam, e o que não era doado, virava presente. Escolhiam a dedo, no entanto, os que seriam presenteados. Não porque eram muito seletivas, mas é que muita gente tinha o costume de desviar da turma em datas festivas, por não aguentar mais receber crochês de tudo quanto é jeito. Os familiares nem as convidavam mais para as festas.

Elas se ressentiam um pouco, mas logo esqueciam e seguiam crochetando, fofocando.

- Eu não ia dizer, mas acho que vocês merecem saber. E vão ficar com inveja.

- Deve ser bobaginha, mas fala logo, Jacira!

- Pois bem! Ontem, depois da missa, fui à casa paroquial e vi padre Léo sem a batina.

Pestanas quase encontrando o couro cabeludo, de tão erguidas.

Faces escandalizadas, variando entre o estupor e a expectativa do relato erótico.

- Desembucha, mulher! Descreve o homem e o que ele fez, de bom ou mau.

- Credo em cruz, Cleusa! Ele não fez nada. Eu beijei sua mão, dei tchau e fui embora.

- Como assim? Você vê aquele pedaço de mau caminho no jeito e se manda?

- Ele estava com pressa. Acho que tinha algum compromisso.

- E ia pelado?

- Que é isso, menina! Estava sem a batina, mas com um terno muito elegante.

As pestanas se recusaram a subir, de tanta indignação, mas todas bufavam de desprezo pelo péssimo arremate da história. Era consenso, entre elas, o fato de Jacira ser a mais sem noção do grupo. Uma tolinha, que parecia ainda pensar e agir como se tivesse oito anos.

Quando ela anunciou que tinha terminado a sunga, ressabiaram-se, mas acostumadas a suas bizarrices, logo se desinteressaram, e só perceberam algo estranho no ar, quando viram o rapaz alto, forte e lindo da esquina, entrar e ir direto até a Jacirinha (como a chamou). Pediu um canto onde pudesse experimentar a sunguinha, e todas, simultaneamente, apontaram para a copa ao lado. Seguiram-no, hipnotizadas, paralisadas, e quando o gajo retornou, vestindo tão somente a peça da coleguinha, pela primeira vez, todas as agulhas foram ao chão.

Jacira, posteriormente, foi homenageada pelas amigas com uma medalha. De crochê!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 01/11/2018
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