Cruzes!

Lá se encontrava ela, perdida ou achada, toda dum lilás cintilante exibida no parreiral. Diziam os olhos que não tinha, naquele semblante de que não dispõem as frutas, a uva solitária:

- Não sei se azeda, não sei se podre, cruzes!

Dentre todos os intentos humanos dos quais não dispõe, está o julgamento, seguido da interjeição: cruzes!

Pois é, umas azedam, outras ficam podres, algumas, manjares e outras tantas viram vinho, ou passa. Mas nenhuma delas pensa que sabe mais sobre a outra, do que ela mesma. Essa é a vantagem de ser uva!

A moral das uvas é silenciar no parreiral e aguardar a colheita ou não. A ética da parreira consiste, em observar seus individuais, que são iguais para quem importa: a parreira.

Nos braços do agricultor, a cesta de vime conta que todas elas vão para o mesmo saco, exceto as que estão podres – mas não tem como saber sobre as que estão azedas. Se o homem, diante de sua trajetória, fosse provar cada qual para separar a doce da azeda, não haveria estrada, nem uvas mais.

- Cruzes! Pra virar vinho ir]ão me pisotear: não quero!

Oras, lá uva tem querer?

Uvifíco-me, assistindo a tudo o que acontece. Vendo as cruzes e sendo crucificada, pasme: por uvas!

Uvas cheias de cruzes, uvas cheias de credo, mas uvas tem querer?

Vamos todos pro mesmo saco. Quero ir antes de azedar...

Mas lá uva tem querer?

Diante de uma moral que queira lhe apodrecer, mas a sua moral de uva, tem de ser adornar o parreiral, produzir oxigênio, alimentar, sobretudo, antes de se tornar alimento.

Para o alento, de toda moral descabida, de todos os conceitos, preconceitos, defeitos e julgamentos que são atirados como cuspe de semente de uva, ou como pedras na cruz: tudo passa, até a uva. Cruzes!