CADEIRA DE RODAS

A princípio, não brincadeira de má fé, absolutamente.

Há muitos anos...Era uma vez... Pequeno grupo familiar saiu de outro bairro carioca para a famosa Feira da Providência (criada em 1961 por Dom Helder Câmara /cearense, 1909/1999, grande defensor dos direitos humanos contra a ditadura militar/, exposição internacional e vendas beneficentes, aos últimos meses de cada ano). No entusiasmo, erraram o caminho mais do que conhecido, de carro tem que obedecer padrões, em contraste foi em termo popular, "uma confusão dos diabos"... Um guarda gentil sorridente mandando seguir à esquerda, outro ríspido mal-humorado à direita, sem terceira opção porque só em política é que existe o "centrão"... por acaso havia um jardim baixinho, porém nenhuma flor consoladora amistosa, separando mãos de trânsito: ir e vir. Finalmente acertaram.

Ao descer, ELA bateu com a perna em algum lugar do carro, aquela dor desesperada e paralisante; ficou um tanto hipnotizada, sem sangue, gemido ou lágrima - não conseguia andar. (Não era Copa do Mundo - nenhuma necessidade de 'previamente estudado' o momento do choro fantasista.) Os três mosqueteiros circundantes não tinham espada... só ideias. Um sugeriu cadeira de rodas, os outros aderiram. Pegaram na portaria do pavilhão, ELA sentou e... finalmente entraram. Não se assina sem ler, não se concorda sem saber. O mais jovem não entendeu a pergunta do porteiro, foi dizendo "sim-sim-sim" e em segundos ELA virou cadeirante. Não houve tempo de retificar porque imediatamente foi cumprimentada por companheiros de cadeiras de rodas também. Afetivos sorrisos solidários (solitários é linguisticamente permuta de fonemas!), sem explicarem acidentes ou doenças. Versátil, curiosa, experimentadiça, resolveu ficar 'assim' até o final do passeio. Existe santo ou orixá ou deus mitológico protetor dos paralíticos? E se de repente ELA levantasse sob um grito de "milagre"? A quem atribuir? Imprensa divulgaria?

Ama jornal, desde que não sensacionalista --- imprensa dita cmarrom, jornal de grande vendagem, popularíssimo nas décadas de 50/60 - por exemplo, no lead ou lide em jornalismo, título resumitivo, "O cachorro 'fez mal' à moça" - depois, notícia esclarecia "cachorro-quente com salsicha estragada........."). ELA otimista: se tiver que acontecer, inevitável moira grega, fado português, destino verde-amarelo, que seja lá pelos setenta e nove ou oitenta anos, ainda bem longe.........

Ambiente mais fino e ostensivo, observou que foi muito respeitada (não apiedada), vendedores não a tratavam como "ET" e traziam artigos à alturinha dela, sentadinha... paradinha (coitadinha é "outra" coisa). Comprou as habituais camisetas japonesas da rua Galvão Bueno (antiga rua Detrás do Cemitério), na Liberdade, Sampa......... colares indígenas... ovos de ganso, digo, de gansa... doces mineiros e portugueses...

LEITORA pensando: "E na hora do pipisório?" Fácil para quem assistiu aulas cênicas em carona, só espiando, não cadastrada no corpo discente do antigo conservatório estadual. ELA adiantou dependência física quatro décadas - o rapazinho familiar empurrou a cadeira de rodas e colocou-a na porta do banheiro feminino; levantou-se "com muito sacrifício", mãos na parede, entrou e foi ajudada por mulher estranha no tirar a 'pecinha menor' e sentar-se......... Igual o retorno para a cadeira de rodas e mesa de jantar em espaço aberto, onde o garçom deixara, unicamente para ELA, o churrasco já todo cortadinho.

Em outros ambientes, talvez fosse maltratada, humilhada. Seria difícil ingressar num trem ou ônibus comum, rejeitada em vaga de emprego, xingada como incomodativa etc. Melhor não conjecturar maus tratos reais.

Contudo, a experiência valeu.

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NOTAS DO AUTOR:

TRÊS MOSQUETEIROS - aventuresca ficção com base histórica: ideologia romântica - França, Alexandre Dumas (pai), inicialmente folhetim em jornal e logo depois livro, ambas as formas em 1844. ----- 1844 - mesmo ano de A MORENINHA, J. M. Macedo, Brasil, modernamente super telenovela, 79 capítulos, entre 1975/76.

GALVÃO BUENO, Carlos Mariano - 1864/1883 - advogado, escritor e professor de filosofia. ----- O CARLOS EDUARDO, de 1950, televisivo super falante, é "outra" pessoa...

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 20/11/2018
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