Muito além da saudade

Bernaldo Couto chegando a Doca, a última Discoteca alí no bairro entre os arranha céus de um progresso desordenado. De repente sai de lá Gigante, o filho do dono, que chama do canto, a prosear Albertinho, Calandrini, Júnior e Casemiro para ajudar a retirar discos da sala, onde ele gravava fita k7.

Casemiro pergunta matando a curiosidade de todos:

- Por que você está retirando tudo daí?

- Vocês ainda não sabem, que o papai vendeu o prédio e temos até hoje pra desocupar tudo. Por isso estou retirando o que resta, que ainda está aí dentro.

Alberto então, sob efeito de uma sensibilidade ou curiosidade ousa e diz:

- Podemos dar uma última olhada dentro da boate.

Gigante responde: - Claro que sim. Vamos lá.

E assim, os quatros caminharam em direção ao portão central ciceroneados por Gigante,

como se os quatro senhores não conhecessem a famosa Star Night.

Um minuto alí, quando parte das luzes foram acesas e o globo girou no escuro, da cabine Gigante, que entrou lá, enquanto os senhores olhavam cantores da música pop internacional, expoentes de uma época de ouro ainda nas paredes; pra animar a retirada dos materiais ele tocou na sequência, Leo Sayer, M. Jackson, Donna Summer, Bill Pool, Bee Gees, Gloria Gaynor e Sylvester, fazendo com que aqueles senhores assentassem numa das últimas mesas próximo ao salão de dança, em seu olhar, viajassem na melhor década da vida de muitos.

Ai, sob efeito da lembrança, em voz saudosa, cada um, como em uma brincadeira de adivinhação, começaram a falar os nomes das várias discotecas… Geminy Drive, Signos, Gato e Sapato, saudosa Maloca, Mistura fina, T1, Circulo, Remo, Tuna e a própria Star Night. Nesse voo magistral, enquanto a música tomava forma de energia, ocupando os espaço solitários da boate, agindo como energia na alma de cada um, como uma super força a revelar poderes dispares, a impulsionar a prosa revelando várias histórias, que pareciam revigorar a vida e aquela vontade magistral, que Calandrini, com os seus cinquenta e tantos anos tomou pra si e como o rei do salão luminoso começou a dançar, chamando para acompanhá-lo seu amigo, Albertinho, que sem se fazer de rogado começou a acompanha-lo.

Rute, com a Katinha iam passando na rua e ao verem entrar na velha discoteca Reis, Nato e Guilherme, seduzidos por aqueles sons clássicos, resolveram segui-los.

Depois entrou mais, Alvina, Ana e a Girlane, que se depararam por longos cinquenta minutos, aqueles senhores de cabeça grisalha dançarem, feito adolescentes, relembrando e rindo bastante, na verdade revigorando-se pra voltar a realidade e ajudar o amigo a retirar os objetos para que o prédio fosse demolido.

Como sugestão, Reis e Guilherme, juntamente com Júnior falaram num último baile de época, pra aquele dia, só para os cinquentões, pois dessa forma iriam rever velhos amigos e amigas, bem como fechar com chave de ouro o fim da discoteca no bairro.

As meninas, que puxadas por Rute a dançar junto com os meninos, já ao som de “I Cant Go For That” de Dary Hall, gritou : - vamos fazer a festa e matar essa vontade saudade. Pra que esperar, vamos movimentar. Nós cuidamos dos convites.

Sem perder muito tempo, os meninos que chegaram depois começaram a coletar para os refrigerantes e a cerveja, enquanto as meninas correram com o celular a convidar vários amigos da época. Já os meninos que chegaram primeiro na boate ao invés de tirar, começaram dançando a arrumar o local pra receber a partir das dezoito horas, daquela sexta feira os amigos para a última festa. Gigante e Casemiro ligaram para o Pedro Paulo e juntos começaram a selecionar e testar as músicas, que iriam fazer a noite esquentar.

Lá pelas 17 e 40, no fim daquela tarde, quando a vontade supera o tempo e outros compromissos a mais… Em fila chegou Ronaldo com a sua esposa, Rildo, algumas amigas, amigos e mais amigos, Betinho, Rubinho, Nato, Reis e tantos outros já ao som de “ A Night To Remember” de Shalamar, dando passagem pra “Rock With You” e Never Knew Love Like This Before, que começou a fazer aqueles senhores e senhoras entrarem já dançando.

Lá pelas 20 horas, a polícia e até outras pessoas fora do convívio vieram querer interpelar, mas foi devidamente explicado por seu Jorge, o pai do Gigante, que aquela festa era fechada, que era a despedida da boate. Já bem depois entrou na festa O Grilo com a sua namorada, O Tingo, O Pedrinho com a sua esposa e logo a seguir chegou também à reportagem, bem na hora da segunda sequência de música que começava com a Donna Summer, Bee Gees, Cheryl Linn, Sharon Redd, Tavares, Gloria Gaynor e George Benson, indo até o dia raiar.

Na segunda feira, o prédio veio abaixo e no lugar foi construído a duras lembranças, um restaurante e um banco, mas quem viveu aquele tempo não esquece o que viveu naquele palco dos sonhos. Afinal, quem não tem uma história pra contar sobre o universo das músicas que viveu e as suas andanças nas discotecas pelo país afora.

Na terça feira, alguns amigos, olharam a construção e ficaram apenas no balanço das recordações.