No Theatro da Paz

Na contra mão do tempo seu Felipe, as sete e trinta e oito da manhã, lá da parada, qual desceu do ônibus para o seu trabalho, quis saber, pois assistia uma fila se formar em frente ao velho theatro, passando pelo coreto do bar do parque, em frente as memórias do Hotel Central, como placa no muro do Hilton, que fica próximo ao Olímpia, cinema, mais antigo do Brasil em funcionamento. Ele dizia pra si:

- Essa fila vem do theatro, será que vai ter alguma coisa lá?!... Se perguntava rumando pra lá.

Quando identificou o final da fila. O Segurança do prédio informou:

- Senhor, prioridade não entra na fila. Por favor dirija-se ao cligê de ingressos.

Obedientemente ele saiu de onde estava e mesmo sob os olhares dos mais jovens seguiu ao cligê, entregou a sua identidade e recebeu de pronto um ingresso.

Sem querer ariscar mais nada, leu que era entrada preferencial e também que se tratava de uma apresentação da Orquestra Sinfónica do Theatro, que iria ocorrer exatamente as vinte horas. Feliz, por ter conseguido algo inusitado para o seu mundo. Foi ao trabalho no banco, qual ele atuava como segurança e lá até divulgou aos amigos, na hora do almoço, que ousaram zombar dele.

- Como é que tu vais a uma Orquestra, se nem sabes o que é?

Responde ele humildemente:

- Ora posso não saber ao certo, mas será a minha primeira vez naquele theatro.

Sob risos e outras alegações os colegas mais jovens, como disse o gerente do banco estavam com inveja da iniciativa daquele senhor.

O dia foi terminando e a noite, sob um luar maravilhoso, que ascendeu sobre a cidade, caminhava com a brisa suave, de aroma da Baia e de suas frutas exótica.

Seu Felipe, um pouco nervoso, pois no natural, quando não se conhece, é bem normal o medo do desconhecido, seguiu até a praça e assentou-se a ver a multidão chegar aos poucos e se encostarem numa nova fila, esperando a hora para entrar.

De longe, enquanto o tempo passava, seu Felipe observava outra vez. Mas o medo impõe barreiras. As suas pernas pareciam travar e o seus pés gelados agora, que a hora de entrar aproximava, deixava uma sensação estranha na barriga.

Mais uma vez seu Felipe, agora forçado pela chuva fina que desenhou-se no ar, contribuiu pra ele sair da sua zona de medo e conforto e procurar entrar naquele local.

Atônito, sem se dar conta do que estava fazendo subiu aqueles tapetes vermelhos, pegou de cima de um mezanino um folheto, entregou o seu ingresso e uma moça, gentilmente se aproximou e perguntou:

- Posso ajudar?

Ele já suando frio nem conseguiu falar. Balançou a cabeça e ela prontamente olhou no ingresso o lugar e disse:

- Por favor, é na varanda. Venha por aqui, que a sua cadeira é a de número 70.

Humildemente entrou, assentou-se no seu lugar e ficou admirando a beleza da pintura antiga no teto, os boleados, foleados nos corrimões e o palco. Contemplando as suítes bem acabadas, com padrões da Belepoque - Belém em seu tempo de ouro. Subitamente levantando, sob os olhares das luzes acesas começou a tirar foto com o seu celular, enquanto as pessoas começavam ali ao redor, aos poucos a povoar.

Quando o seu lado encheu, sem conhecer ninguém viu que a granfinada estava toda ali, se assentou, mas não se intimidou. Começou a ler o folheto, que pegara na entrada e mesmo sem entender nada de Mozart ou Schubert, ficou no aguardo, entre a surpresa e a curiosidade.

Dois, três, e quatro e cinco toques no sino… Afinação e o maestro chegou. Se apresentou sob aplausos e de costa com o seu fraque preto ficou para o público. Com as luzes da plateia sendo uma a uma apagadas, o locutor anônimo anunciou avisos:

- Por favor façam silêncio na hora da apresentação, não batam fotos com flash, não filme, não acendam as luzes do celular e deixe-o no silencioso, também não façam refeições no interior desse ambiente, conservem as cadeiras e o local, pois isso, preserva esse patrimônio, que é de todos, boa apresentação.

Luzes da plateia apagadas, comunicado informativo concluído, no palco por sua vez acessas elas identificavam os artistas. O maestro deu o sinal e tudo começou. Mozart em sua 41º sinfonia, regida em Dó maior, K.551 “Júpiter”

Primeira parte - Allegro vivace, segunda parte Andante contabile e terceira parte Menuetto – Allegretto. Todos sob hipnose da música, não havia silencio, porque os instrumentos tocavam, mas o silencio esgotava os ouvidos, pela quietude do público. No entanto, quando adentrando ao quarto e último ato da apresentação Molto Allegro, todos bem concentrados viajando sob o some a regência, eis que do nada…

-Triiiiiiimmmmmm.Triiiiiimmmmm. Toca o celular do seu Felipe, que ignorante, inconsciente, desprovido de qualquer malicia, ao invés de desligar, disse coma sua voz agressiva:

- Oi. O que é? Depois a gente fala!

E todos naquela zona, saíram do êxtase e se aclimataram a olha-lo taxando-o de mal educado e a repreender como num hospital:

- Psssssiiiiiu. Silêncio.

E uns burburinhos saíram, sem muito efeito:

- Qual parte do comunicado esse senhor não entendeu?

Sem se intimidar seu Felipe pôs o aparelho no bolso e como se nada tivesse acontecido seguiu prestando a atenção na apresentação, quando por fim, terminou o último ato e começou o intervalo, anunciado pelo locutor, que informava a pausa de dez minutos.

Após esses dez minutos, a apresentação tomou contornos finais e o regente começou o segundo ato com F. Shchubert e sua 9ª sinfonia, em Dó maior, D 944

O maestro apresentou a primeira parte com Andante- Allegro ma non tropo – Piú Moto, Andante com moto in lá menor; seguiu com Scherzo – Allegro vivace Trio in Dó maior /lá maior; quando o “Gran finale” nasceu com Allegro vivace, o telefone do seu Felipe já no silencioso o tira do transe e ele capricha num paralelo a apresentação, vira o rosto pro lado, fecha os olhos e diz:

-Que é mulher?!… Que bar o que?!… Tô aqui no theatro! Ora o Theatro da Paz!