O novo pároco

Acaba de chegar o novo pároco. Um ser esguio de feições. Caras e bocas de quem tudo sabe, com um jornal nas mãos, isolado de todos, parece estar sempre à espreita, desconfiado. Quando fala, pisca bastante os olhos, quando escuta, só retém o que lhe interessa.

Ficamos muitos anos dependentes de uma paróquia distante. Formávamos uma grande comunidade unida pela fé e política, pela força do versado e autônomo laicato.

Tudo andava muito bem até a diocese resolver por em prática o Cân. 374 § 1º, segundo o qual, “toda diocese ou outra Igreja particular seja dividida em partes distintas ou paróquias e que esta comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, e seu cuidado pastoral deve ser confiada ao pároco, sob a auctoritate do bispo diocesano”.

E lá estava ele. Pronto para matar a comunidade de cristãos que viviam quase igual às primeiras comunidades lá do tempo de Jesus, com a anuência do senhor bispo, outro matador de comunidades livres e felizes.

A primeira medida do infeliz padre Sicário foi proibir qualquer instrumento musical diferente dos clássicos. Só podia piano ou órgão. Um coral deveria ser treinado com urgência. Todos os líderes foram obrigados a pedir demissão dos seus respectivos cargos voluntários para que Sicário pudesse escolher os seus ministros. Nenhum deles deveria ser revolucionário ou comunista. Os escolhidos deveriam aceitar as ideias da igreja medieval, embora estivéssemos na pós-modernidade ou tempos líquidos.

Sicário foi além. Patrocinou intrigas, reacendeu antigos conflitos pessoais. Inventou o rito genuflexório para que beatas e beatos beijassem-lhes as mãos e o anel. Ele se sentia o próprio São Pedro.

Foi uma verdadeira revolução cultural. Outra maior que essa, só a de Mao Tse-Tung.

Tudo organizado e a contento da Santa Igreja, Sicário partiu em busca de um bom rabo de saia, abundante na pastoral da juventude. Comeu quase todas.

Imaculada, porém, saiu incólume. Resistiu bravamente às investidas cada vez mais intensas e enfáticas de Sicário. Como era possível a ela, resistir à sua autoridade divina?

Fez que fez que conseguiu ficar sozinho com ela no sacrário. Com palavras doces e valendo-se da devoção de Imaculada forçou-a a vestir um manto azul de Nossa Senhora. Ela realmente ficara linda e sedutora. Imaculada olhou para o espelho. Sicário atrás dela a contemplava excitado. Violentamente, Sicário a abraçou, já com as calças nos pés. O abraço da morte.

Imaculada virou devagar como se aceitasse a sua concupiscência, o beijou e desferiu-lhe um golpe fatal com um punhal que trazia consigo.