O menino da calça rancheira

Pode ser que hoje à tarde você não me encontre mais, também pode ser que encontre, porém me encontrar é um mero detalhe.

Pode ser que daqui algum tempo você não me reconheça mais, mas com certeza se reparar melhor vai se lembrar de mim, mas isso não vai fazer diferença.

Pode ser que um dia você nem lembre que eu existi, também não fará diferença, logo eu nunca existi pra você.

Pode ser que você sinta saudades daquele que um dia achou ter conhecido, mas quem você conheceu não é o mais importante, pois nunca deixei de ser eu, você só não olhou direito.

Talvez precisasse continuar sendo eu e por isso você não aceitou e preferiu não me olhar mais, mas isso é irrelevante, somos o que somos, com nossas virtudes e defeitos, o amor aceita os dois.

Talvez você nunca tenha me conhecido, ninguém tem culpa de só enxergar com os olhos, passar pela vida e viver realmente a vida, tem suas diferenças.

Para enxergar coisas precisamos ter olhos, para enxergar pessoas, coração, se não tem coração não preciso que me olhes, este é o motivo de algumas pessoas falarem para outras, “Nossa, como fulano está mudado”! Confirmação de que nunca pode olhar esta pessoa com o coração.

Pode ser que você chore muito um dia por entender que eu não era apenas um garoto de camiseta listrada, calças rancheiras calçando uma conga encardida, carregando ladeira à cima um carrinho de rolimãs.

Tenha certeza de que por traz deste garoto de cabelos esvoaçados com as unhas sujas da terra das velhas ladeiras empoeiradas havia um projeto de homem, mas muitas pessoas enxergavam apenas o seu par de congas encardidas e suas unhas sujas de terra.

Não viram e jamais poderiam ver tamanha alegria daquele garoto quando voava ladeira à baixo com aquele carrinho veloz que ele mesmo teria fabricado, de ligeiras rolimãs cujo provedor desta agilidade era o famoso shampoo Vital Ervas de sua irmã, carroceria bem cuidada, selada com óleo queimado extraído do fusquinha verde que seu velho pai possuía, aquele cheiro de óleo queimado na tábua crua era o que fazia a diferença e marcava aquele momento, horas o cheirinho do óleo, horas o do shampoo Vital Ervas, parte de um tempo que a felicidade não estava em nada, apenas naquilo que aquele garoto esperto proporcionava.

Pode ser que um dia nos encontraremos numa calçada destas onde passam centenas de pessoas diariamente e nem perceberemos um ao outro, não por qualquer indiferença, mas por folga de afinidades mediante a pouca intimidade, e isso de certa forma nos fará muito bem.

Pode ser que nunca mais nos falaremos nunca mais nos veremos, e jamais nessa vida esqueceremos um do outro.

Pode ser que consiga, mas não conseguir também é viver.