UM ESTRANHO JEITO DE AMAR

Ele só sabia interagir à distância.

Não era, propriamente, um poeta, mas como versejador, fazia um bocado de sucesso entre mulheres, principalmente. Sabia manejar clichês e frases de efeito, de modo a impactar as almas piegas, e ainda que pareça esquisito, não agia assim com frieza, cálculo ou até premeditação profissional, porque se acreditava um artista das letras, um ser inspirado.

Ao mesmo tempo em que conquistava fãs, que o consideravam talentoso, ele próprio se enxergava de modo semelhante, e quando se defrontava com eventuais críticos, algo em seu íntimo bloqueava a compreensão do que era dito, transformando palavras hostis em elogios ou algo que o valha, ao menos em sua mente. Era uma defesa eficiente.

Fazia muito sucesso nas mídias sociais, e o número de amigos virtuais era enorme.

Correspondia-se com muitos, e se fazia sucesso com seus textos, ao trocar mensagens arregimentava mais admiradores ainda. Recebia enxurrada de flertes e convites, que sempre declinava, porque não se sentia seguro numa interação pessoal, presencial.

Sua vida pessoal era simplória e muito regrada. Vivia só, em apartamento pequeno, que recebera como herança, após o falecimento de um tio. Não tinha mais parentes vivos, amigos reais e próximos, nem mesmo conhecidos, porque evitava conversar, onde quer que fosse, mesmo que o abordassem com a máxima simpatia. Levantava muito cedo e fazia suas abluções matinais, demoradamente, preparava o desjejum e ligava o computador, para acompanhar a evolução de suas iniciativas, enquanto comia.

Deliciava-se com elogios, fazia estatísticas dos compartilhamentos de seus textos ou comentários, e via o crescente número de seguidores como atestado de sucesso. Sentia-se uma celebridade, tanto que ao sair de casa movimentava-se como se pudesse ser reconhecido e flagrado por multidão de simpatizantes, e mesmo que nada nunca ocorresse, não conseguia atinar com sua realidade insossa e solitária, envolta em obscuridade e monótona rotina.

Na tela, porém, a situação era outra. Muitas admiradoras, encantadas com suas tiradas e versos, que lhe pediam fotos, encontros, áudios e vídeos, doidas para se aproximarem de seu ídolo, ainda virtual. Quando ele sentia alguma aproximação maior, congelava a conversa, e partia para outra ou outras; mas, sem que percebesse, uma delas conseguiu romper a primeira barreira, apresentando-se como representante (homem) de material gráfico, a preços bastante atraentes. Conseguiu que ele fornecesse seu mail, depois o endereço e o nome completo.

Desnecessário dizer que, com isso em mãos, dirigiu-se à casa do indivíduo, convenceu um chaveiro a fazer uma cópia da chave, a partir da fechadura, dizendo-se trancada do lado de fora, com a chave perdida, e daí fuçou todo o apartamento, deitou-se na única cama existente, nua em pelo, e esperou por horas, pelo homem de seus sonhos. Acabou ferrando no sono.

Nosso protagonista entrou em casa, noite adiantada, banhou-se, sentindo que havia algo diferente, que não sabia dizer o que era, apagou todas as luzes e foi para a cama, como costumava fazer, rotineiramente. No mesmo instante em que deitou e encostou no corpo da dama, esta acordou, de supetão, e ambos gritaram em uníssono.

Após alguns demorados segundos de silêncio, a menina levantou e acendeu a luz, para ver seu pretendido nu, olhos esbugalhados, paralisado e, com o perdão da palavra, mijado e cagado. Tentou, apesar do nojo, fazê-lo reagir, mas acabou chamando o resgate médico. Após rápida intervenção, e já no hospital, o doutor informou que ele só tivera um choque nervoso e estava acometido de gases. No mesmo instante, o doentinho, que se achava próximo, soltou um peido sonoro, altíssimo, seguido de forte odor, que empestou o ambiente.

Como o amor é um sentimento estranho, e, sob certos aspectos, inexplicável, casaram-se (não me perguntem por quê), e ela se desdobra em atenções ao seu peidorrentinho, que, desde o matrimônio, nunca mais emitiu um som sequer (disse o sim em libras) e ensaia várias caretas quando sua esposa se aproxima. Não há sexo entre os dois, e o máximo de intimidade que acontece, é o banho diário que ela lhe dá, como se fosse um bebê crescido. No entanto, toda a vizinhança foi avisada que o casal espera, não um filho, mas gêmeos. Como? Sei lá!

O computador foi vendido, e o fantasma de carne e osso vaga pelos aposentos, lento, pensativo, tentando achar um jeito de eliminá-la de sua vida, mas ao sentir o cheiro delicioso, que vem da cozinha, reconhece que nunca comeu tão bem antes. Talvez haja veneno oculto na comida, pensa, mas . . . existe melhor maneira de se deixar matar?

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 09/01/2019
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