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Eu estava sentado sozinho, em um banco de madeira encostado em uma parede, com meus olhos fincados no chão. O tempo parecia não passar e eu me perguntava quando aquele dia iria acabar. As pessoas cercavam o caixão do meu pai, tentando se despedir ou processar melhor o que tinha acontecido. Mas eu achei que uma despedida daquele tipo não era necessária, quando eu sabia que ele sequer estava lá. Algumas das pessoas passaram por mim, outras pararam e me deram os seus pêsames. Pensei em ir embora antes do fim do sepultamento... sabendo que meu pai realmente não se sentiria ofendido por isso, mas terminei ficando. Foi só depois de um tempo que eu percebi a presença uma pessoa que não esperava que estivesse ali. Uma namorada de muitos anos atrás, com quem já não falava há um bom tempo. Assim que ela me viu, veio até mim e me deu um abraço e um sorriso triste, de quem não sabia o que dizer. Eu agradeci e me afastei sem dizer mais nada. Andando pelo gramado até chegar a uma parte mais mal cuidada do cemitério, me sentei no chão, me recostei numa parede e fechei os olhos.

Não sei quanto tempo fiquei ali, e só voltei a realidade quando o meu celular tocou. Resolvi não atender e sai andando do cemitério. Saí pelas ruas e entrei no primeiro bar que encontrei.

Andei até o balcão e dei de cara com minha ex namorada, sentada tomando um copo de chopp.

Era como se uma nuvem preta estivesse pairando sobre sua cabeça. Como se ela tivesse algum peso sobre si.

Sentei ao seu lado e só então ela me percebeu.

- Oi. –- Eu lhe disse.

- Oi. –- Ela respondeu, visivelmente surpresa.

- Um chopp pra mim também... – Pedi ao garçom.

Ele encheu o meu copo que veio com a espuma quase transbordando.

Tomei um gole e fiquei encarando as bolhas dentro do copo, e pensando como aos poucos elas iam estourando.

- Como você está? – Ela perguntou, quase que sussurrando.

- Achei que eu estaria pior.

- Não sei como reagir nessas situações... Sinto muito.

- Está tudo bem.

- Tá...

- Não imaginei que você viria. - Sussurrei

- Fiquei sabendo ontem e achei que eu precisava vir te ver.

- Eu realmente não esperava por isso. Mas fico feliz de você ter vindo.

Ela deu um meio sorriso envergonhado e recostou o braço por cima dos meus ombros.

passamos um ou dois minutos em silêncio olhando para os nossos copos.

Sequei o meu e perguntei-lhe.

- Nunca entendi porque você foi embora.

- Acho que eu precisava disso.

- Como assim?

- Eu precisava ir embora. E eu não sabia como te dizer isso.

- Foi por minha culpa?

- Foi nossa culpa.

- Realmente acho que já estávamos nos distanciando. Você só deu um passo maior que o meu.

- E nós simplesmente deixamos de nos falar... Apesar de eu ter pensado em te procurar algumas vezes.

- Também pensei muito nisso. Mas não sabia o que iria te dizer.

- Eu sei o que é isso. Mas ai eu soube do seu pai, e pensei que poderia ter sido você, ou eu. E então nunca mais eu iria ouvir a sua voz e não poderia mais te dizer o quanto eu sinto muito por ter ido embora sem falar nada.

- Mas hoje aqui estamos. E agora você me disse.

- É.

O garçom voltou a encher os nossos copos e eu quase esqueci do peso de todo o dia que se passara.

Tomamos mais alguns copos e nos despedimos.

segui o caminho de casa pensando nela, até que o celular tocasse com uma mensagem.

Ela havia me mandado uma foto. Ela, um homem e uma menina.

Embaixo havia a frase. – Minha família.

guardei o celular no bolso e fiquei com o olhar perdido na rua, até que o motorista do Uber me tirou dos meus pensamentos dizendo que havíamos chegado.

Paguei e saí do carro.

Dei de cara com minhas duas gatas na porta. Entrei e me joguei no sofá, pensando em quando eu teria enfim, uma foto de família como aquela.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 17/01/2019
Reeditado em 18/01/2019
Código do texto: T6553040
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