NASCI NOS ESTADOS UNIDOS

Hoje vivemos numa República Federativa, mas quando nasci, e por bom tempo (até meus doze para treze anos), vivíamos nos Estados Unidos do Brasil.

Lembro-me de ter conhecido a primeira estadunidense, pubescente como eu (deveria ter seus doze anos, também) na casa de um amigo. Loirinha, olhos bem azuis, sardentinha, nariz arrebitado e espoleta. Apresentou-se como Kate, e ao perceber que eu arranhava o inglês, não teve nenhuma cerimônia em monopolizar a conversa comigo (devo acrescentar que o restante do pessoal não falava uma palavra sequer do idioma de Tio Sam).

Logo de cara, ela me falou que era americana, e lhe respondi que eu também. A menina me olhou desconfiada, mediu-me, da cabeça aos pés, e negando em gestos, disse-me que era mentira, que eu era brasileiro. Declarei que estava certa, que era brasileiro, nascido nos Estados Unidos do Brasil, que ficava na América do Sul, e portanto, eu era americano. Naquela época não tínhamos Google, e qualquer pesquisa demandava tempo e leitura de enciclopédias ou algum outro tipo de alfarrábios didáticos. Por conta da dúvida estabelecida, ela coçou suas madeixas, fez uma careta lindinha, piscando e entortando a boca, e aceitou o argumento, mas deixou claro que iria verificar, porque nunca tinha ouvido falar em americanos do sul.

Bizarrices assim são comuns, e nos acostumamos com elas, facilmente.

Em minha primeira viagem de negócios aos EUA, tive de passar pela cidade que tento, sempre, evitar: Miami. Não me entendam mal, pois reconheço que é linda, tem atrações saindo pelo ladrão, de tanta diversidade, é cosmopolita, tem clima agradabilíssimo, mas é entupida de malandros, tem trânsito caótico, é cheia de guetos complicados e sinistros, e tudo ali tem de ser resolvido rápido. Se perder uma entrada para um bairro, creia que terá de percorrer muitos quilômetros, só para voltar; se perder um compromisso (por um minuto que seja), é quase certo que só conseguirá marcar outro dali a algumas semanas (e olhe lá); se não explicar muito bem o que deseja, terá de engolir gato por lebre, e não adianta reclamar. Quando pensar em fazer uma queixa, já estarão atendendo outra pessoa, e nem bola lhe darão.

Pois quando cheguei à cidade, fui recebido por um mexicano, que fez muita festa, e me levou a um restaurante de comida típica de seu país, antes mesmo de me levar ao hotel. Como detesto pimenta, quase nada comi, apesar de muita insistência dele e dos garçons. Falavam, todos, pelos cotovelos, e apesar de eu ser fluente em espanhol, tinha dificuldade em entender as muitas gírias que utilizavam. Desconcertado pelo meu jejum, ele me deixou na hospedagem e avisou que viriam me pegar pela manhã. Às sete da matina, um porto-riquenho apareceu em minha porta, dizendo que o desjejum seria fora do hotel. Tive um mau pressentimento e tentei dissuadi-lo de me levar a outro lugar, dizendo-lhe que comeria qualquer coisa ali mesmo. O sujeito fez cara de espanto, falou algo que não entendi (gíria, novamente) e me arrastou pelo braço até seu automóvel, antigo, chamativo, mais parecendo um carro alegórico.

Levou-me a um restaurante cubano, cuja atmosfera nebulosa (esfumaçada) tresandava a ranço gorduroso. Já provei comida cubana de qualidade, mas aquele lugar era terrível. Mais terrível ainda (de aparência) era a gororoba que o garçon largou em nossa mesa. Não tenho a menor ideia do gosto daquilo, pois nem me dei ao trabalho de provar, e ver o acompanhante se fartando da coisa, provocou-me um razoável mal estar. Minha cara deveria estar péssima, pois ele parou de insistir e, rapidamente, tirou-me de lá e levou-me à empresa.

Logo à minha chegada, encontrei, no salão principal, enorme grupo de executivos, todos falando castelhano corrente e assistindo a uma apresentação de dançarinos de tango, em um tablado improvisado, cujo cenário era uma rua famosa de Buenos Aires. Aplaudiram-me, como cumprimento, e me perguntaram se conseguia me sentir em casa, naquele ambiente. Só ali é que entendi a bagunça formada. Disse-lhes que era brasileiro, falava português, morava em São Paulo, e dançava samba (muito mal, para dizer a verdade). Espanto geral!

Enquanto se refaziam do susto, pedi licença e saí, porque estava faminto, e procurei um restaurante italiano (adoro massas). Achei um pequeno, acolhedor, cheiro bom, e ao fazer meu pedido ao garçon, foi atencioso e me trouxe tudo rápido, além de uma cuia de chimarrão.

Perguntei-lhe o por quê do mate, se nenhuma bebida lhe havia pedido.

- Pero sos argentino, no? Yo también! No le gusta algo asi?

Nem me dei ao trabalho de responder. Levantei, paguei, agradeci, e fui comer salada num quiosque, na rua. Ao me dar o troco, o atendente me disse: - Buen provecho, Hermano!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 25/01/2019
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