O MARRECO DE PEQUIM
Conto de:
Flávio Cavalcante
 

         Quando jovens aprontamos todas peripécias e artimanhas próprias da nossa juventude. Não era atoa que meus pais sempre me chamaram de cabeça oca ou ainda de menino imaturo. Aliás, para eles eu nunca cresci.
 
     Em 1987 terminei meu ensino médio. Fiz o curso técnico em agropecuária numa escola agrícola perto da cidade Maceió. A escola era dividida em setores agropecuários. Suinocultura, bovinocultura, avicultura, agricultura e piscicultura.  Neste último setor citado, criávamos algumas variedades de peixes: Carpas, Tambaquis e Tilápias. Além de uma linda criação de Marrecos de Pequim. Eram aves importadas que se alimentavam no próprio setor sob o cuidado dos próprios alunos, orientados pelo professor do setor.
 
     A produção de ovos era intensa e na época da minha formação, vivia naquela euforia das novas práticas da agropecuária.
 
    Aos domingos, não perdia por nada o programa da rede Globo "GLOBO RURAL" E numa das reportagens da época, o programa exibiu uma maneira de fazer uma chocadeira de ovos com uma caixa de isopor pequena. E lembrei de imediato dos tais ovos dos marrecos de Pequim. Me preocupei com cada detalhe da chocadeira e depois de muito trabalho ficou de fato impressionante.  Restava saber se ia ter o efeito esperado. O marreco de Pequim tem uma pluma oleosas e isso facilita a saída dos filhotes de Marrecos, pois, quando a mamãe marreco está chocando os ovos, naturalmente eles recebem uma certa lubrificação facilitando os próprios marrequinhos nascerem por si só.  Como a chocadeira era caseira e não dispunha desse recurso, no prazo certo do nascimento dos bebês patinhos, eu tinha que dar uma ajudinha técnica para ajudar as crias saírem do ovo sem se machucar.
 
     Finalmente a chocadeira já estava pronta para receber os ovos graúdos de sangue puro de origem. O problema era como pegar os ovos sem ser visto pela segurança da escola. Era proibida a retirada dos ovos daquele lugar para não impedir a reprodução das aves. Com muito sacrifício consegui pegar cinco ovos. Um ovo a cada dia. Depois, montei todo aparato da chocadeira e distribuí na grelha daquele material rústico e totalmente artesanal.  Se não me falha a memória, foram dezoito dias de muita tensão e apreensão na espera da eclosão dos tão dificultados ovos.
 
     A chocadeira tinha um vidro frontal que dava total visibilidade dos ovos. Todos os dias tinha que virar de posição. Pois a lâmpada no interior da chocadeira precisava aquecer os ovos por igual. E isso era uma tarefa levada muito a sério por mim.
 
     Os dias programados se passaram e no exato dia percebi algo bicando a casca do ovo. Chorei de muita emoção.  Quebrei um pedaço da casca para facilitar o nascimento dos novos seres viventes. Me senti como um pai esperando o nascimento dos bebês. Finalmente nasceu meu primeiro filhote do coração. Passei horas a fio sem nem pestanejar admirando aquela beleza da natureza. Infelizmente quatro ovos não chocaram, mas o amor era maior que o coração com a única cria que nasceu depois de muito sacrifício.
 
     Uma semana depois. O marreco andava dentro de casa com toda liberdade. Um dia cheguei em casa e a minha mãe Deu a triste notícia que um gato arisco da vizinha atacou aquele patinho e o estraçalhou. Foi o pior dia da minha vida. A partir daquele momento não quis mais saber daquela chocadeira que me deu tanta alegria, mas no final da história deixou marcas profundas no meu peito.
 
FIM
 

 
Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 28/01/2019
Reeditado em 28/01/2019
Código do texto: T6561608
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