O Livro dos Sonhos

Na região da antiga Pérsia, há incontáveis séculos atrás, havia um certo escriba chamado Samir Altair Zayn. Ele era um dos escribas de maior destaque de todo o reino, devido à sua capacidade de se expressar com grande beleza através das palavras. Dessa forma, ele sempre era convocado para registrar os casos mais curiosos e interessantes que pudessem estar ocorrendo por todas as localidades do reino – como uma espécie de repórter da época.

Certo dia, vieram até ele boatos de um dos casos mais estranhos que Samir jamais havia visto: Xariar, o rei da época, após ter descoberto que a rainha vinha lhe traindo, havia mandado mata-la. Além disso, estava convencido de que nenhuma mulher em todo o mundo era realmente fiel e, por isso, todas as noites casava-se com uma mulher diferente e, na manhã seguinte, mandava mata-la, para que, dessa forma, jamais fosse traído outra vez.

O mais curioso de tudo era que uma das filhas do Vizir, Xerazade, havia pedido ao pai para que a entregasse como a próxima esposa do rei, mesmo sabendo do trágico fim que todas haviam tido até então.

Então o grande escrita Samir seguiu viajem até o castelo do impiedoso rei Xariar para que pudesse obter mais detalhes sobre aquele curioso caso. Lá chegando, ficou bastante impressionado com a opulência do castelo, mesmo não sendo aquela a primeira vez que havia estado ali.

“Em toda a Terra não deve existir um castelo igual ou melhor do que este a minha frente.” Pensou Samir. “E talvez apenas o castelo de Alá, que sempre seja louvado, seja mais impressionante.”

O escriba, ao adentrar o castelo, foi logo muito bem recebido pelos incontáveis servos do rei. Este último, por sua vez, não pôde recebe-lo naquele momento pois estava bastante ocupado resolvendo as pendências do império, mas mandou informa-lo que estaria com ele assim que pudesse.

Dessa forma, o renomado escriba passou o dia inteiro, junto a outros convidados, aproveitando dos dons hospitaleiros dos servos do rei. Haviam tapetes confortáveis, deliciosas comidas, apresentações de dança, música, e coisas do tipo. No ar haviam agradáveis aromas de incensos, e os homens fumavam Narguilé.

Samir foi informado pelos outros convidados que o impiedoso rei ainda não havia mandado matar sua mais nova esposa Xerazade, que ele havia desposado na noite anterior. Isso deixou o escriba ainda mais curioso e, apesar dos prazeres do castelo, mal podia esperar para se inteirar de maiores detalhes com o próprio rei.

A noite chegou e com ela todos os moradores do castelo começaram a se recolher. Um dos servos veio informar a Samir que o rei não iria poder mais recebe-lo naquele dia, mas que no dia seguinte eles iriam conversar. Samir, apesar da curiosidade, teve uma noite de sono bastante agradável em um dos quartos do castelo, com a barriga cheia, e com o coração também cheio das festividades do dia.

No dia seguinte, as mesmas festividades e, ao cair da noite, o mesmo aviso de que o rei ainda não poderia recebe-lo. Samir começou a se questionar se o rei não estava querendo vê-lo e que estava tentando faze-lo desistir da entrevista.

Então Samir foi para um dos quartos do castelo, mas não conseguiu dormir, pensando sobre o que pôde ter ocorrido para que o rei não o recebesse. Acendeu uma vela e começou a vagar pelos corredores, salas e escadas do castelo. Parou em frente a uma janela que dava bem para o centro da capital do império. Os prédios, com seus formatos cônicos e pontiagudos, erguiam-se iluminados apenas pelo brilho da lua. Diante daquela visão, Samir pensou em como o oriente é rico e belo.

Chegando a um corredor, o escriba começou a ouvir vozes vindo de um dos quartos. Aproximou-se da porta do quarto, de onde saía algumas luzes pelas frestas, e pode ouvir que, na verdade, era apenas uma voz feminina que falava, seguida por suspiros de espanto de alguns ouvintes:

– ... Quando o mercador viu que o gênio ia realmente cortar-lhe a cabeça, deu um grande grito, e disse: Detende-vos! Mais uma palavra, por misericórdia! Tende a bondade...

E assim seguia aquela curiosa narrativa. Samir ficou tão absorto com a história que não se deu conta de que ficar parado ali na porta, com a vela na mão, poderia chamar a atenção dos estavam no interior do quarto.

E foi isso mesmo que aconteceu. De repente, a voz que contava a história se calou e, pouco depois, o rei em pessoa abriu a porta abruptamente, com a espada em punho, e encontrou o nobre escriba parado ali, completamente atônito.

– Quem está... – Ia começando a dizer o enfurecido rei Xariar. – Ahh! Então é você que está aí! Samir Altair Zayn, o maior escriba que o oriente já teve! – Disse ele, já totalmente calmo. – Sinto muito não tê-lo recebido antes, mas, já que está aqui, vamos entrando, e aproveite para ouvir nossa grande contadora de histórias. Aposto que de tudo que você já leu, escreveu ou ouviu antes, nunca se deparou com histórias tão prodigiosas!

O atônito Samir começou a adentrar o belo quarto do rei Xariar e cumprimentou as duas mulheres que lá haviam. Uma era a mais nova rainha Xerazade que, por algum mistério, estava conseguindo escapar do trágico fim que havia acometido todas as outras, e a outra era a irmã de Xerazade.

Logo em seguida, a rainha deu continuidade a história que tanto impressionava os seus três ouvintes. Nos breves momentos em que a contadora de histórias descansava, Samir tinha algumas palavras com o rei e inteirava-se dos detalhes que lhe haviam feito ir até ali. Assim, quando a parte mais crucial da narrativa começou a se revelar, o dia amanheceu e o rei, curioso para descobrir o final da história, decidiu prorrogar a morte de Xerazade até a manhã seguinte.

Dessa forma, através de suas maravilhosas histórias, a rainha conseguia prorrogar a própria morte. O grande escriba Samir esteve presente naquele quarto durante inúmeras noites, impressionado com aquelas belas narrativas.

As histórias falavam de coisas fantásticas e pareciam ser feitas com a mesma matéria prima dos sonhos. Haviam gênios, viagens para lugares remotos e exóticos, tapetes voadores, objetos com poderes mágicos, e muitas outras coisas do tipo.

Devido as histórias serem contadas sempre a noite, havia uma atmosfera de sonho naquele quarto. Samir tinha a sensação de que começava a perder a noção da realidade e começou a pensar que toda sua vida fora um sonho e que a realidade existia nas histórias de Xerazade.

Assim, pouco tempo depois, com a autorização do rei Xariar, o escriba Samir reuniu em um enorme Códex a maior parte das histórias que havia ouvido através de Xerazade. Foi para ele um esforço enorme tentar reproduzir a imensa beleza da narrativa da rainha, mas ele fez o melhor que pôde, pois sabia que tudo aquilo que ouvira não poderia se perder no Tempo.

Esse antigo Códex chegou até nós com o nome de Livro das Mil e Uma Noites. Suas histórias ainda continuam sendo admiradas, mesmo por um povo de um tempo tão longínquo que nem o seu autor, Samir Altair Zayn, e nem a imensamente fértil imaginação de Xerazade seriam capazes de supor.