"Morena, Linda, Sensual, de Olhos Verdes" = Romance= Capítulo 48

    A loja teria um movimento intenso de pessoas dos mais diversos níveis sociais. Nela entrariam todos os dias crianças, moças, senhoras e senhores, muitos surfistas, pescadores e outros desportistas, visto que os planos de Eliane incluíam uma vasta gama de artigos a preços tão baixos que seria impossível não fazer sucesso imediato. De São Paulo e de outros pontos do país viriam mercadorias sensacionais para serem vendidos com uma margem mínima de lucro, algumas até mesmo sem lucro algum, e outras, mais atraentes, até mesmo com um pequeno prejuízo aparente. A loja ganharia dinheiro, muito dinheiro mesmo, com a movimentação de pessoas, com o fluxo de caixa e com o investimento real e maciço em drogas no altíssimo atacado. A imensa quantidade de pessoas que circularia pelos dois mil metros quadrados de área útil do estabelecimento seriam o disfarce perfeito para a entrega da droga no varejo às centenas de pequenos, médios e grandes distribuidores que ali receberiam suas cotas diariamente, bastando para isso dirigir-se à pequena e disfarçada porta nos fundos da loja. Porta atrás da qual situava-se o imenso cofre movido hidraulicamente. Por uma pequena abertura passariam o dinheiro e por ela mesma receberiam suas encomendas previamente feitas, embaladas em papel de presente ou em caixas finamente decoradas. Sempre drogas de alta qualidade e exatamente nas quantidades solicitadas. Em hipótese alguma o comprador veria quem o estava atendendo e recebendo seu dinheiro.
   Sem qualquer dificuldade de monta, Eliane abrira a nova empresa com um nome falso, utilizando documentos que encomendara a um despachante amigo que não sabia nada a respeito da utilização dos mesmos. Todos os pagamentos a fornecedores de mercadorias legais seriam sempre feitos em moeda corrente brasileira, ou em dólares conforme o caso, e não teria crediário. Seria uma loja de preços baixos, com pagamentos à vista tanto nas compras quanto nas vendas. As notas fiscais seriam sempre emitidas aos clientes e exigidas dos fornecedores nos valores exatos das compras. Compras avulsas sem as respectivas notas fiscais seriam inexistentes. Jamais seriam feitas, por mais vantagens que oferecessem. A loja, em quase todos seus aspectos, principalmente nos aspectos fiscal e trabalhista, seria perfeitamente legal.
  Prevendo um maior movimento dos distribuidores de drogas às sextas-feiras, Eliane planejara desde já uma liquidação espetacular de cinqüenta ou cem artigos a cada quinto dia útil. Artigos-supresa, escolhidos aleatoriamente pelo gerente e pelas vendedoras, de acordo com a menor aceitação durante a semana. De qualquer maneira ela sabia que tal promoção traria mais gente à loja naquelas vésperas de fins-de-semana e assim os traficantes entrariam e sairiam mais tranqüilamente da loja, misturados à multidão.
   As entregas de drogas não seriam feitas a qualquer dia e hora em que fossem solicitadas. Todo o esquema funcionaria seguindo um organograma minuciosamente estudado e elaborado por Eliane. Os distribuidores teriam que adaptar-se, e as suas conveniências particulares, a este organograma ou não seriam aceitos como clientes. Ninguém receberia nada fora do dia, hora e quantidade previamente combinados, logo na primeira compra de cada um. Mesmo os oriundos de São Paulo, sujeitos a percalços na viagem, não poderiam de forma alguma chegar atrasados ou deixar de ir no dia e hora certos, ou mesmo solicitar menos ou mais mercadorias. O funcionamento com a precisão alemã e o cumprimento britânico dos compromissos eram quesitos de segurança para ambos os lados.
  Os distribuidores seriam atendidos logo após identificados através dos espelhos estrategicamente colocados após a parede onde havia a parede do gigantesco cofre e só poderiam entrar na pequena ante-sala desacompanhados. Qualquer estranho que entrasse ao mesmo tempo que o distribuidor veria a porta fechar-se e um alarme disparar chamando os seguranças da loja com seu barulho estridente. A qualquer pessoa estranha ao comércio que se realizava daquela parede em diante, pareceria apenas o local onde se guardava o movimento financeiro da loja, a féria do dia e ou a papelada inerente a um comércio movimentadíssimo.
   Precavendo-se contra um hipotético problema de delação, Eliane idealizara também um esquema simples, mas que por mais que procurasse uma brecha, uma falha, um esquecimento importante, acabava por considerar perfeito seu planejamento em todos os detalhes. A droga que por acaso estivesse ali, entre as quatro paredes do pequeno cômodo de segurança e distribuição, sumiria em segundos sem deixar qualquer pista possível e imaginável. Bastava que a pesada porta de aço do cômodo fosse aberta pela polícia, ou por qualquer outra pessoa não esperada, e um engenhoso mecanismo fazia afundar no chão de cimento a metade inferior de um armário de aço escovado que comportava toda a droga a ser entregue no decorrer do dia. Uma vez afundada, a metade inferior do armário entraria em contato com a água de um canal submerso e a droga, sempre embalada em papel fino e facilmente dissolvível, entraria na água canalizada e sumiria na correnteza sem deixar qualquer vestígio comprometedor. Só com a porta do cômodo novamente fechada o armário voltaria ao seu tamanho normal, e mesmo assim se esse fosse o desejo do ocupante do cômodo naquele momento, passado o aperto ou o susto com o flagrante. O armário era estreito, com cinqüenta e cinco centímetros de largura, cinqüenta de profundidade e parecia ter a altura exata entre o chão e o teto do compartimento. Seria impossível desconfiar-se que ele entrava chão adentro, ou forro acima, conforme a necessidade. A movimentação hidráulica do pesadíssimo armário fora realizada por homens experientes, capacitados, e que se sujeitaram a trabalhar em um local que desconheceram durante todo o tempo, por terem recebido uma remuneração com a qual jamais haviam sonhado. Durante uma semana três homens viveram dentro do cômodo, na parte de cima, enquanto descansavam ou dormiam, e na parte de baixo enquanto trabalhavam. Foram levados para aquele local de olhos vendados e de olhos vendados foram devolvidos a São Paulo com os bolsos cheios de dinheiro. Finaceiramente, fora para eles uma maravilha agüentarem aquela prisão voluntária, que tanta curiosidade lhes causara. A única certeza que tinham era que haviam trabalhado em uma cidade que ficava a várias centenas de quilômetros de São Paulo. Como Santos fica a apenas oitenta quilômetros da capital paulista, eles passearam, por uma enorme extensão do litoral paulista. Pena que não puderam curtir a paisagem...

= Continua amanhã.
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 18/09/2007
Reeditado em 18/09/2007
Código do texto: T658372
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