Inevitabilidades

Milena se sentou na janela e deu um último trago no cigarro que tinha entre os dedos da mão direita.

Apagou a bituca na beirada e murmurou

- Preciso de outro.

- Outro o quê? – Perguntou Leon, que estava sentando no chão fazendo carinho na cabeça de um dos gatos dela.

- Outro cigarro. Esse era o último.

- Já são três da manhã. Acho que não tem nenhuma barraca aberta uma hora dessas.

- Tem uma na pracinha que sempre está aberta.

- Você não acha perigoso?

- É um pouco. Mas eu preciso realmente fumar.

Leon deixou o gato e foi até a janela onde Milena estava sentada.

Olhou lá para baixo. Dava pra ver a praça e a barraca que ela falava. Estava realmente aberta. Pelo menos era o que dava pra perceber do décimo sexto andar.

- Eu vou lá então. Aproveito e pego umas cervejas. Tô enjoado de beber vinho. – Disse Leon.

- Não quer que eu vá com você?

- Não precisa. Eu vou rápido.

- Você é um amor, sabia? – Ela sussurrou em seu ouvido, com a lascívia que lhe era de costume.

Milena desceu da janela e colou o seu corpo no de Leon. Beijou-o nos lábios até que ele se enrijeceu completamente.

Com um gesto hábil, ela o colocou para dentro de si e transaram ali mesmo, encostados na parede.

Quando acabaram, Milena caiu ofegante na cama ao lado e falou.

- Uau... preciso de um banho.

Leon se escorou na janela e olhou novamente para a barraca lá embaixo.

O ar frio que vinha do lado de fora parecia o encorajar, já que o interior do quarto era de um abafado quase insuportável.

Recolheu a roupa espalhada pelo chão e se vestiu celeremente.

Pegou as chaves e tomou o elevador.

Lá embaixo, o porteiro dormitava, diante de uma televisão que passava algum filme obscuro dos anos 90. Ao ouvir os passos de Leon ele acordou e esfregou os olhos.

- Bom dia. – Ele disse, com uma voz embotada de sono.

- Bom dia, Seu Aristides. Vou sair rapidinho, para comprar cigarro na praça.

- Tenha cuidado, meu filho. Essas ruas aqui são parada dura. O que tem de drogado e ladrão essa hora não é brincadeira.

- Eu vou num pé e volto no outro.

- Tudo bem. Vou ficar de prontidão para abrir quando você voltar.

O porteiro abriu o portão com um toque no botão do painel onde estava sentado e Leon saiu antes mesmo que ele estivesse totalmente aberto.

Avaliou que pelo menos um quilometro o separava da praça... A rua era mal iluminada e ele se sentiu terrivelmente vulnerável. Mas não era nada que já não tivesse feito no passado, quando era mais jovem, ou quando estava mais bêbado. Já tinha andado por lugares piores... e no fim das contas, era melhor que fosse ele do que Milena a correr o risco.

Andou tentando não pensar no que podia lhe acontecer de ruim e logo chegou na barraca.

Um rapaz barbudo, moreno e um pouco acima do peso estava sentado num banco de plástico, tomando café num copo americano e fumando um cigarro.

Ele olhou Leon dos pés a cabeça e não disse nada.

Pegou um rádio de pilha, encostou no ouvido e voltou a se concentrar num bloco de notas onde vinha escrevendo alguma coisa.

Leon então gaguejou.

- Bom dia... Qual o cigarro que o senhor tem?

O Rapaz tirou os olhos do bloco de notas e respondeu.

- Gift, Derby, Hollywood Vermelho e Lucky Strike. Free está em falta.

- Me dê uma carteira de Lucky Strike.

O vendedor deixou o rádio de pilha de lado e virou-se pra a barraca. Mexeu dentro de uma caixa e virou-se com um maço do cigarro.

- É dez reais.

- O senhor tem cerveja?

- Latão. Skol, Brahma e Schin.

- Me dê quatro latões e o cigarro.

- Fica 22.

- Ok.

O vendedor juntou tudo dentro de uma sacola e entregou para Leon, e voltou a prestar atenção no bloco de notas.

Leon, então, não conseguiu segurar sua curiosidade e perguntou.

- Me desculpa perguntar. Mas o que o senhor está escrevendo?

- Poesia.

- Poesia?

- Sim. Para minha futura ex-namorada.

- Como assim futura ex-namorada?

- Bem. Acredito que minha namorada está pensando em acabar o relacionamento que temos. Então já estou me adiantando na temática.

Aquilo tudo soava muito confuso para Leon, no entanto, por também ser escritor, ele conseguia se identificar com o sentimento de ansiedade por algo que parecia inevitável.

- Não seria mais simples conversar com ela sobre isso?

- Minha mulher não é do tipo que dá para se tratar com o mais simples.

- Com isso eu posso me identificar. A que está comigo agora é das mais complicadas, mas gosto de estar com ela... Não por acaso, esse cigarro é pra ela.

Leon então virou-se e olhou para o prédio, imaginando se Milena o estava observando.

- Ela mora naquele prédio?

- Sim – Respondeu Leon.

- O nome dela é Milena?

Aquilo havia pego Leon de surpresa.

- Sim... – Ele respondeu quase gaguejando.

- Então melhor você trocar o Lucky Strike pelo Hollywood. Ela sempre compra comigo... frequentemente tarde da noite... E as vezes conversamos. Ela odeia cigarro mentolado.

Leon se sentiu um pouco envergonhado por não conhecer dos gostos da mulher que estava dividindo a cama.

O vendedor pegou uma carteira do outro cigarro e uma nota de 2 reais e trocou com Leon.

- Esse é mais barato. Taí o troco.

Leon sorriu e disse.

- Pode ficar. Obrigado e bom dia.

- Bom dia. – Respondeu o vendedor, antes de voltar para o seu café e sua poesia.

Leon tomou o caminho de volta e chegou rapidamente até o prédio.

O porteiro o deixou entrar e logo estava no elevador, subindo até o apartamento de Milena.

A porta estava entreaberta e ele pode ouvir o barulho do chuveiro ligado.

Quando entrou no quarto, o barulho cessou e ela saiu do box, enrolada numa toalha, enxugando o cabelo.

- Conseguiu o cigarro, bebê?

- Sim.

- Eita. Esqueci de te dizer qual eu queria.

Leon entregou-lhe uma carteira de Hollywood vermelho e falou.

- Esse serve?

- Serve! Como você adivinhou?

- Foi só um palpite.

- Ainda bem que você não me veio com um mentolado. Eu odeio cigarro mentolado.

Leon sorriu e abriu uma lata de cerveja.

- Você quer?

- Não, amor. Vou ficar só no vinho. Põe as outras na geladeira.

Leon enrubesceu e ficou olhando para Milena, enquanto ela abria o maço e acendia um cigarro.

- O que foi? – Ela perguntou, com o cigarro na boca enquanto o acendia.

- Nada. Não foi nada.

Aquela foi a primeira vez que ela o chamara de Amor.

Ele se perguntou se foi sem querer, ou se aquilo significava alguma coisa.

Talvez significasse... talvez não.

Tomou um gole da bebida e deixou as outras na geladeira.

Seu pensamento voou para a inevitabilidade de certas coisas

O relógio da sala indicava três e meia da manhã.

Ele abriu a sua mochila que estava no sofá, e retirou um notebook de dentro e pôs-se a escrever, sobre Milena

e sobre coincidências e coisas inevitáveis.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 07/03/2019
Código do texto: T6592185
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