Balcão de padaria
Ficou encolhido junto ao balcão. Os cotovelos, esgarçados, sobre a tampa de granito preto.
Recipientes com bananas, maçãs e laranjas para os sucos, as vitaminas. Coxinhas, pasteis, quibes, empadas, esfirras, tentadores, repousando no mostruário alegremente iluminado da padaria. O frenesi na cozinha: ordens, contraordens, gritos, pedidos, panelas no fogo, chapas chiando e o ir e vir frenético dos garçons que empunhavam os pratos-feitos e os comerciais que iam para as mesas da clientela.
Adiante, a prateleira ampla com os vinhos, os uísques e o balcão dos coquetéis coloridos. Aquilo até dava mal-estar. Às suas costas, no balcão, mais prateleiras com os pães refinados que a clientela selecionava com apuro.
E ele com uns trocados no bolso do casaco surrado.
Em casa, a mulher definhando com câncer. Magra, esquelética, um cadáver cujos olhos seguem muitos vivos, fixos nele na penumbra do quarto, suplicando um alívio, uma solução que ele não tem.
E o casal de filhos – álacres, buliçosos, alheios às asperezas da vida – pedindo brinquedo, pedindo roupa, pedindo caderno, pedindo passeio, pedindo o diabo da parafernália eletrônica que no tempo dele novo não existia.
- Estou sem dinheiro.
E aquele impasse. Aquele drama sem-fim. Aqueles dias longos, intermináveis. A mulher agonizando. E nada acontecia, nem uma desgraça qualquer.
Pelo menos tinha ali diante de si o copo americano com a dose de aguardente. Melhor pensar nele: o cheiro da cana invadindo suas narinas, produzindo um torpor suave, reconfortante. Até ali nem precisou beliscá-lo.
Ficou intermináveis minutos examinando à volta, surpreso que exista gente normal, almoçando, bebendo, comendo lanche, comprando pão, pegando fila. Sem nenhuma tragédia particular para lidar em casa.
Olhou a dose de aguardente com ternura. Era o que podia consolá-lo.
Lá fora, havia o estardalhaço do trânsito e o cinza da poluição na conturbada avenida paulistana.