Um presente de aniversário

Afrodite e Cupido observam a mulher que dorme tranquilamente na cama. A deusa do amor se aproxima e acaricia de leve seu rosto, depois se volta para o filho e pergunta:

- O que tem de proibido fazer isso, Cupido? Você vive dizendo que eu devo fazer as pessoas felizes.

- Mas não podemos interferir na vida dos humanos desse jeito, mamãe. Como é que a mulher vai aparecer de uma hora para outra no sul do Brasil?

- Sei lá. Faço-a pensar que teve insônia e que saiu de carro de Vitória e foi até Porto Alegre dormindo.

O deus ri por um instante das palavras da mãe e responde:

- Duas coisas, mãe. Um: Se ela pudesse ir dirigindo até lá, ela já teria feito. Dois: ninguém percorre quilômetros e quilômetros dormindo.

- Hum, coisa chata. E se fizéssemos com que alguém lhe presenteasse com uma viagem para lá?

- Mamãe! Deixa as coisas acontecerem normalmente. E vamos, temos muito o que fazer.

Afrodite passa a mão sobre a mulher, jogando, sem que Cupido perceba, uma pequena mágica, depois se levanta e desaparece com seu filho. Nesse instante, a mulher acorda de sobressalto.

A porta range de forma incômoda ao ser aberta. A mulher, ainda sonolenta, percebe que quem invade seu quarto são sua irmã e dois amigos (Lúcia e Flávio).

- Feliz aniversário! – Os três dizem ao mesmo tempo.

- Gente, são três horas da manhã! Não dava para esperar amanhecer?

- Não, Cris. Vamos logo, se arrume, ou vai perder o avião.

Cristine ainda acha que está dormindo.

- Avião? Eu vou viajar?

Lúcia e Flávio sorriem e explicam.

- Lembra que ganhamos aquele concurso de literatura usando trechos da sua vida pessoal?

- Sim, ficou bonitinho o conto.

- Pois é, resolvemos te comprar uma passagem de avião para Porto Alegre.

- A Jana sabe de tudo, eu liguei pra ela hoje. Vai te esperar no aeroporto.

Flávio sai do quarto e chama um táxi, enquanto suas duas companheiras arrumam Cristine. Esta, por sua vez, se belisca diversas vezes, testando se ainda está dormindo.

-Quer dizer que vocês três vão me levar para Porto Alegre?

- Achei que isso tinha ficado claro.

- Isso não pode ser real.

- Tanto pode, irmãzinha, que é.

Ela começa a apertar freneticamente as mãos, vai de um lado para o outro no quarto.

- E se ela não gostar de mim? Eu não vou saber o que dizer, o que fazer. Ai, meu Deus. Não to preparada, Maria.

Maria contempla a irmã mais velha. Nunca a viu tão ansiosa, sabia que era um grande passo na vida dela. A fez parar e a segurou pelos ombros.

- Cris, me escuta. Você sabe o que sente por aquela menina?

Cristine responde com firmeza:

-Eu a amo.

A irmã sorriu novamente e a empurrou para a porta.

- Então vai logo, seja feliz.

As duas se abraçam forte e se despedem. Depois disso, a aniversariante não conseguiu entender mais nada do que acontecia até chegar ao avião. Os dois garotos falavam bastante, mas ela não conseguia prestar atenção no que eles diziam. Abraçaram-na e a empurraram para o avião e ainda os viu jogando beijos e acenando adeus.

Devidamente acomodada em sua poltrona, resolveu entender toda essa loucura que estava acontecendo. “Aqueles três pestinhas, sempre aprontando algo”. O avião decolou e ela sentiu um frio na barriga. “É... finalmente esse dia vai chegar. Vou encontrá-la, meu Deus”. Ela se lembrou do dia que conheceu Janaína no msn, das letras de música que trocaram e principalmente do dia em que ela se declarou: “Você vai rir de mim, com certeza. Mas eu não posso mais ficar aqui trocando mensagens sem te contar uma coisa, meu coração não agüentaria. Cris, você é muito especial para mim. Eu te amo”

“Eu não acreditei. Achei que ela estava delirando, confundindo amizade com amor. Tentei fazer com que ela esquecesse a idéia, mas na realidade sempre senti a mesma coisa. Tinha medo de amar de novo, então coloquei empecilhos, disse que ela era muito nova, que Porto Alegre era muito distante. O amor, entretanto, falou mais alto e agora estou finalmente em um avião, pronta para encontrá-la”.

O Airbus pousou e o frio na barriga de Cristine foi aumentando. Ela pegou suas malas e olhava para todos os lados,tentando ver sua namorada. “Tola, olha o número de pessoas aqui”. Ela sente algo vibrando no seu bolso. Pega o celular e atende.

- Oi, meu amor.

- Já cheguei, Jana.

- É, eu sei. Nem acredito que estou olhando para você.

Cris desliga o celular e olha para trás, uma jovem de dezoito anos segura um celular e sorri para ela.

- Ei, porque você desligou?

Uma lágrima corre no rosto da aniversariante. Ela larga as malas e agarra a amada. As duas se abraçam com força, como se quisessem ser uma só.

- Eu te amo.

- Feliz aniversário.

Não dando a mínima para os olhares curiosos no aeroporto, ela começa a se aproximar. Como dois imãs de pólos diferentes, suas bocas se atraem. Apesar do frio da manhã, as duas estão suando. O primeiro beijo iria acontecer nesse momento....

PEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE

O barulho insuportável da buzina acorda Cristine. Ela não acredita no que vê. Lúcia, Flavio e Maria gritam feliz aniversário com muita alegria. Flávio segura um bolo, Lúcia flores e Maria um envelope.

- Droga!

Os três se assustam com a dura resposta da aniversariante. Esta percebe que jogou “um balde de água fria” na festinha dos três e pede desculpas.

- Me perdoem, me assustei com a buzina. [Batendo palmas, animando-os] E então, o que eu ganhei?

- Bem – disse Flávio – você acaba de ganhar um super bolo de aniversário feito pela mulher com mãos de fada, Maria. Ih, Ih. Um lindo buquê de flores do mais belo jardim de Vitória, oi. E por último, mas não menos importante, um conto feito com todo carinho. É presente ou não é?

Cristine ri da palhaçada do amigo.

- É.

A campainha toca e Maria vai atender a porta.

- Eu te disse, Flávio, iria aparecer rapidinho alguém para comer desse bolo também.

Maria, da sala, grita por Cristine. Essa vai até o banheiro e se troca e vai até a sala. Acha que está novamente sonhando, pois quem está na porta é nada mais, nada menos que Jana, sua amada namorada.

- Estou sonhando. De novo.

- Não ta não. Vou provar.

A gaúcha pega no rosto de Cris e lhe dá um grande beijo. Afrodite e Cupido aparecem na sala e a deusa do amor acena de leve para Janaína, que responde, sem parar de beijar sua namorada.

- Eu não acredito que você fez isso, mãe.

- Não seja chato, Cupido. Olhe as duas, não são lindas.

Os dois deuses desaparecem. Maria, Flávio e Lúcia aplaudem e as duas coram, mas resolvem deixar pra lá os três bobos e aproveitam o momento, se beijando apaixonadamente.