O Caso

Como todos os dias o sol nasce, muito se vive abaixo dessa magnitude do senhor. Portanto, enquanto há vida, senso e dissenso se misturam aos nossos mitos e verdades, no dia a dia. E quase sempre resplandece o que a gente não consegue perceber com os olhos, mas o coração, sempre resistente, sempre na vanguarda, nos ensina humilde a beleza dessa vida que nunca se encerra.

Assim foi como a Dona Filipa e o seu Zé. Ela com os seus 92 anos, em estado debilitado, por causa da sua idade e doença, ficou à mercê do germe, capaz de tirar do sossego a sua alma, já vivendo o congraçamento de um cárcere, aprisionado pelas correntes da loucura e da paixão devastadora por aquele senhor, que estava também beirando a casa dos noventa, mas que por sua vez, em sua sanidade, usava de gestos, que deixavam claro a repulsa e o real interesse.

Vicejando sim, a cada momento, pelo o ar caliente das moças mais novas. Dizendo sempre, em sua expressão mais notória, quando aquela senhora após mendigar algum carinho saia de cena:

- Pra boi velho, tem que ser capim novo. Pois eu que não quero, uma velha na madrugada, assentada em suas dores a desfiar o rosário para rezar e cheirando a mofo, enquanto eu cá estarei com desejo ardendo no corpo.

Colocavam assim, reticencias nas improbabilidades e preconceitos na data exata para se apaixonar.

Interessante era como ficava o espelho, olhando taciturno, como um divã a revelar aquela mulher, anciã, mas que nunca, durante toda a sua vida fora tratada com o respeito e carinho, talvez sequer tivesse tido o devido conhecimento de como viver um romance. Naquela ocasião, feito moça nova, andava pelos cantos a sussurrar, qualquer olhar ou gesto de solidariedade que fosse, a ser interpretado, com um sentido platônico, a fim de alimentar a insanidade. Nesse meio período a paixão lhe ascendeu a vaidade, dos balangandãs, das roupas, que as vezes mais ridicularizavam do que a vestia para o amor. O rosto sempre maquiado dava um tom circense, no entanto, para aquela senhora, mais do que servir aos risos, era a mais profunda verdade, dentro de um sentimento, que sério, é compreensível apenas pelas crianças.

Muitas vezes, de seu apartamento solitária, fitava da janela o tempo, como espera, de seu poeta. E mesmo, que muitos falassem contra, o importante era esperar e ter alguns segundos de assistência educada, a lá Maquiavel.

No seu itinerário rotineiro, Zé, sorrateiro, que planejava conseguir a herança de Filipa. Desferia sempre os seus golpes políticos e uns segundos do dia ia ter com ela, uma prosa, um beijinho no rosto ou um simples passar de mãos na face para afaga-lhe a ideia de paixão.

Em seu estado normal, de fato, seu Zé paquerava a Rosa, que em suas vinte e duas primaveras cobrava o dobro para assentar-se em seu colo e ousar beijar as suas vastas e cansadas rugas.

Se o romance mancebo, quase de pai para filha tinha futuro; nada que o dinheiro não lesse e as pessoas do lado não comentassem. Mas ele fiel também seguia os seus propósitos, tal qual de um bêbedo numa linha de tempo, que mais cedo ou mais tarde cambaria pra realidade.

O fato é que o seu Zé, fora viajar e tomou pra si os cuidados de Filipa, levando consigo a moça, fato que Filipa implicava, mas que claro como as ânsias e necessidades não atendidas de um povo, ele nem deu a mínima. E nesse terreno, tanto fez, que conseguiu o seu objetivo. De fazer com que Filipa assinasse um documento vendendo a sua empresa para ele. Paixão resolvida, ele começou a desprezar a pobre senhora, como um bom capitalista.

Cobrindo de jóias e promessas de casamento a moça, que sem tempo pra respirar e compadecida com o estado de desprezo de Filipa.

Em seu senso, solidário feminino, preferiu ficar sem aceitar. É lógico, tomando pra si as jóias e guarnecendo uma escritura de uma casa, que também ganhara.

A viajem de ida ficou entre os engodos, o pavor, os interesses e uns risos fortuitos, de um desejo comprado e vendido. A volta, sem a aquela senhora, que ficara noutro país com os seus parentes, parecia um oásis de fazer muitas senhoras e senhores de respeito, nessa sociedade hipócrita ficarem alardeados com tanta coisa sem sentido.

Mas como o prazer é servido pelo dinheiro, muitos se curvaram e a moça cedia pensando sempre que a vida começa aos vinte e poucos.

Ao chegar ao Brasil ele, agora detentor de todas as empresas de cordas, teve como noticia, que o progresso em sua evolução, trouxe muitos concorrentes e a sua compra já estava ultrapassada. Lendo os jornais teve então a informação continuada de que aquela senhora, falecera logo que ele veio embora, visto que ela já estava interiormente muito doente.

Num momento de ser humano, ele debruçou a cabeça na mesma janela do apartamento, que se sediava na avenida mais movimentada, que a solidão e a olha o firmamento, refletiu talvez, o que havia feito. Ali adormeceu e seguiu no outro dia, logo cedo a procurar a moça, que de posse de todos os bens regularizados em seu nome, ao ser pedida em casamento. Falou três vezes: Nunca, nunca, nunca.

Como se o chão tivesse saído de seus pés, ele seguiu solitário e incompreensível pelas ruas, nas calçadas de suas empresas e ali agonizou sob efeito de um enfarto, que muitos transeuntes vieram acudir.

Saindo no jornal, em primeira página, milionário decadente das cordas sucumbe a morte e sai de cena, para entrar o progresso.