A Mulher do Elevador

Há uma mulher muito peculiar no meu prédio, que é condômina do quinto andar, imediatamente acima do meu apartamento (acho). Mora, portanto, no apto. 53 - se estiverem corretos os meus cálculos. Por favor, não me perguntem o nome da personagem, pois eu não o sei! Peço desculpas por minha introversão, não pedi para nascer assim! Bem,

a verdade é que eu nunca tomei suficiente coragem para perguntar o nome de nossa misteriosa moradora do apartamento 53.

Justamente por isso, para tornar mais prática e didática a história que estou prestes a narrar, cumpre-nos convencionar um nome para ela. Não quero parecer tirânico, por isso oportunizarei a vocês, amigos leitores, a escolha do nome ficto que atribuiremos a mulher do quinto andar. O que acham? Vamos lá, estou no aguardo... Acalmem-se! Um de cada vez!

O senhor, isso mesmo, sim, o senhor da primeira fileira! Como que é? Diga mais alto, homem! Isadora - o quê?! "Isadora Pinto"?! Ora pois, estou a escrever uma história seríssima, seu energúmeno! Próximo! Vamos, diga-lá a senhora. Qual o nome? Neide Navinda Navolta? Basta, estou farto! Já que falta a devida maturidade por parte dos senhores e, pasmem, por parte das senhoras, será o nome da personagem definido por mim, unilateralmente. Fixo-o em "Beatriz" e fim de papo.

Antes de dar continuidade ao conto, reputo importante informar que foram poucas as ocasiões que nos encontramos - dezessete, mais precisamente, conforme tenho cuidadosamente anotado em meu bloquinho de notas. Não somos amigos (e tampouco inimigos). Eu e Beatriz pouco conversamos, e quando o fizemos, foram só palavras

esparsas, geralmente sobre assuntos triviais - "parece que hoje choverá, não é mesmo?", "será que fica firme o tempo?" e "o dia está para um passeio" são clássicas, entre outras frases-prontas.

Insta consignar que as referidas interações que tiveram vez foram todas iniciadas por ela - já disse que sou introvertido! Acontece que eu também não sou muito hábil em dar continuidade a tais interações. Geralmente, emito um sofrível grunhido em afirmação, seguido de um

rápido sorriso, logo desviando o olhar para o chão. Sim, eu sei: não sou um animal social, como quisera Aristóteles.

Todas as vezes que eu a encontrei, deparamo-nos justamente no elevador do prédio. Abria a porta despretensiosamente e pronto... Lá estava ela, tão altiva, tão reluzente. Devo admitir que, na primeira vez que meus olhos encontraram tamanha formosura, esqueci-me embasbacado a segurar a porta, fitando-a por alguns segundos. Nessa ocasião, o feitiço foi prontamente quebrado quando ela me questionou, rindo de modo gracioso: "Esqueceu algo?". Minhas róseas bochechas se fizeram rubras, adentrei no receptáculo e, tomado de vergonha, fiz a jornada (de exatos 24 segundos, que mais pareceram 24 anos) até o térreo. Os dezesseis outros encontros foram menos estranhos, fiquem assegurados.

De astutas e pontuais observações, pude constatar, à época, que: a) Beatriz definitivamente morava sozinha; b) Ela era solteira, não tinha marido, namorados ou "ficantes", e se os tivesse, ao menos não os levava até o apartamento; c) Aparentava possuir 30 anos de idade e tinha profissão incerta; e d) Passava as manhãs e tardes no trabalho (ou outra atividade que desconheço), e religiosamente estava em casa à noite, até mesmo nos finais de semana, ressalvado um ou outro dia; e e) Tinha se mudado para o prédio há quatro ou cinco meses.

A gentileza daquela criatura no trato com os condôminos sempre me deixou atônito. Não havia motivos para tanta ternura. A cada vez que abria a porta do elevador, sentia o bater do coração na ponta da língua. Sempre ansiava vê-la. Quebravam-se as esperanças quando encontrava vazia aquela caixa metálica. E foi dessa maneira que passei a nutrir uma secreta paixão por essa mulher.

Caros leitores, se ainda me acompanham, importa dizer que me causou grande estranheza, contudo, o último encontro que compartilhamos no elevador. Uma vez lá dentro, não recebi qualquer sorriso, qualquer carícia. Sequer uma palavra para confortar o peito. Nada. Só o asqueroso silêncio, tornando tão penosa aquela viagem. Num breve relance, deitei meu olhar em sua face. Trazia óculos escuros e uma feição séria estampada no rosto.

Ainda que não visse, sabia que Beatriz, por detrás daqueles óculos, carregava dor e sofrimento. E foi nesse breve instante que vi: uma solitária lágrima a escorrer. Ela nem mesmo se preocupou em secá-la, tendo deixado-a escorrer livremente, contornando o seu delicado queixo e indo morrer no sedoso, magro e longo pescoço. Meus amigos, não falo de uma enxurrada de lágrimas, próprio ao choro teatral, para mostrar ao mundo um sentimento falseado. Estou a falar de uma só lágrima, única, que, escassa que é, deve ser aproveitada ao máximo por aquele que a emana, sujeito que deveras sofre, que deveras sente.

Queria perguntar o que havia. Quis ser forte, tomá-la em meus braços, envolvê-la e dar-lhe conforto, mas não pude. Calei-me. Hoje, arrependo-me amargamente. Enfim, mal sabia eu que essa seria a última vez que nos veríamos, para sempre. Abriu-se a porta do elevador para o térreo e ela saiu tão diferente, derrotada, apagada, morta. Foi andando até a direção da rua, enquanto o sol foi-a consumindo, até sumir de minha visão.

Fiquei ali, parado, pasmado, segurando a porta do elevador, vendo Beatriz ir embora. Ela nunca regressou, permanecendo sumida por semanas. Sua família, distante, muito tardou para dar notícia do desaparecimento. Eventualmente, investigadores da polícia passaram pelo prédio, fizeram uma pergunta ali, outra aqui. Ouviram-se porteiro, zelador e vizinhos de quinto andar.

Foi só no 16º dia de desaparecimento, conforme contou o porteiro Evair, fofoqueiro de primeira classe, que as autoridades encontraram Beatriz. Um grupo de crianças que perambulava pela represa avistou um objeto estranho flutuando em direção à margem. O resto da história vocês já devem saber.

Contou o noticiário local que o corpo estava num estado tão avançado de decomposição que os familiares, que haviam viajado do sul do país, não alcançaram êxito no reconhecimento do cadáver. Foram precisos exames genéticos para se comprovar a identidade do corpo. Por derradeiro, era realmente ela. Em busca no apartamento, os policiais encontraram um breve bilhete, no qual a moça deixou revelada a existência de um suposto relacionamento abusivo e de um homem que a vinha ameaçando.

Investigações futuras restaram infrutíferas e o inquérito policial foi logo arquivado. Hoje, Beatriz é mais um número, uma estatística, entre uma infinidade de outras mulheres anônimas. Contudo, para mim, mesmo após muitos e muitos anos, ela foi e sempre será a mulher que, por dezessete vezes, tornou melhores as minhas manhãs.

Necrófago
Enviado por Necrófago em 22/04/2019
Código do texto: T6629960
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