Viola no Paletó

De repente foi como se naquela noite de festa da padroeira chovesse PINGOS DE AMOR,vindos sem dúvida das franjas do Ororubá ou, quem sabe, das estrelas.

A noite ainda era criança e a alegria impedia que JOSÉ e MARIA DAS DORES sequer admitissem que a festa pudesse acabar. Pelo contrário, ela apenas começava e com maior intensidade no exato momento que um caminhante de caminhos mil, vindo, quem sabe, de PASÁRGADA, da BAHIA ou de PERI-PERI, com o ARCO-ÍRIS na sua MORINGA, tendo tomado vários CHOPES PARA DISTRAIR, enfeitiçado pela magia do ar puro da serra e dos cheiros e sons familiares, reconhecendo que era um CHORÃO por sua terra,afirmando que seu pai era de Poção mas ele nascera em PESQUEIRA, vestido de branco e com ma VIOLA NO PALETÓ, bem devagar começou a testar microfones, cantarolar músicas pela metade, bronquear contra as caixas de som que, segundo ele, só serviam de enfeite, e a brincar com o povo.

Na verdade, fingidor como todo poeta, ele apenas disfarçava a emoção do reencontro com a sua terra e o seu povo, tão evidente na maneira como cantou estes versos: "Minha gente eu vim de longe, estou cansado e só...". Era o mote, a explicação, a justificativa válida e telúrica de quem voltava a pisar o solo querido, cercado de recordações por todos os lados, como fez Potiguar quando escreveu a crônica antológica sobre a sua velha casa.

Mas naquela noite ele nunca esteve só, ungido que estava pelo carinho de seus irmãos pesqueirenses. Fez um dos melhores shows da sua vida.

Há pessoas que conseguem ser a síntese de um povo. PAULO DINIZ é uma dessas pessoas. Ele é a cara lavada e cuspida ou enxaguada de Pesqueira. É um dos seus representantes mais autênticos, consegue expressar o que o povo tem de mais importante: a identidade e a personalidade; a fibra e a alma popular. Ele possui o orgulho, o caráter, a altivez e a rebeldia de sua gente. Confirma, com sua maneira de ser, a independência de um povo que não se curva e nem se dobra ante a prepotência. Se é a cara é também o talento reforçado pelo amor telúrico, amor meio apache (dá e apenha), reconheço, mas amor puro, amor que a distância não extingue e nem reduz; coisa de pele, bem diferente do sentimento dos novos-ricos que não é amor mas, no máximo, amizade colorida. Paulo Diniz, como Potiguar Matos. Vandeck Santiago. Luciano Veloso (a maravilha do Arruda), Nelson Valença, Zuleno, Álder Júlio, Cláudio Almeida e os homens simples do povo, expressam uma espécie de ideologia pesqueirense que compreendo mas não sei explicar.

Em Paulo Diniz, por ser um artista popular, essa força é mais visível e mais forte. Ele está para Pesqueira assim como Caetano esta para Santo Amaro da Purificação, Luiz Gonzaga para Exu, Alceu Valença para São Bento do Una e Olinda...

Pena é que por força de fatores alheios à vontade do artista e do povo, ele não venha co mais constância a Pesqueira. É preciso que se entenda, como afirmou Miguel Arraes, que os artistas são os arautos do povo, daí porque é preciso prestigiá-los, principalmente quando são filhos da terra. Pesqueira e Paulo Diniz não podem viver uma relação fugaz, ele pode e deve ser permanente, pois a verdade é que ambos estão cansados "de andar a pé e só, com uma viola sofrida pendurada no paletó. Inté.

P.S. Esta maltraçada é de 1989, está fazendo 30 aninhos, virou balzaquiana. Mais: como disse Mário de Andrade, conto é tudo aqullo que você chama de conto. E priu.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 29/04/2019
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