NEM ISSO NEM AQUILO (BVIW)
 

Quando eu era menina de engenho eu queria cortar cana, conduzir carro-de-boi, manobrar as engrenagens do engenho, mexer os tachos de mel efervescente. Aí o meu jovem pai me dizia: menina não leva jeito para essas coisas. E me mandava brincar com bonecas feitas de espigas de milho verde.
Quando eu era mocinha da cidade  queria ser igual a cantora Wanderleia e amiga do meu ídolo, o cantor Roberto  Carlos; também queria ser inventora como Thomas Edson, Santos Dumond, Alexandre Graham Bel, de cujas invenções tanto o meu avô falava. Queria ser filósofa, admirava Platão porque dele me falava o velho professor Cabral, afirmava ele que Platão possuía a sabedoria e também a arte e que o filósofo e o poeta moravam numa só alma. Queria ser dramaturga, como Shakespeare. Queria ser igual a Machado de Assis, de quem era leitora voraz. Então, o meu velho pai me dizia: mulher não tem cabeça para essas coisas. E me mandava aprender a fazer bolo com a minha mãe, cuidar das crianças, lavar pratos e arrumar a casa com a Júlia e lavar roupa com a dona Maria Ventura.
Hoje, sem pai para me dizer o que me é permitido fazer e do que sou capaz, fico imaginando se de fato essa diferença de quatro milhões de células nervosas, apregoada pelos doutos cientistas deixam nós mulheres menos inteligentes do que os homens. De minha parte, uma coisa eu sei que não sei: a falta que os tais neurônios me faz, nem aonde eles deveriam atuar: se no cérebro, cerebelo ou bulbo.
Agora, de uma coisa eu sei que sei: se rodaram poucas saias entre as cabeças pensantes que deixaram legados notáveis à humanidade, a culpa é de meu pai, do pai dele, do pai do pai dele e por aí vai...
Ah, no final, não fui isso nem aquilo, me tornei uma dona de casa, casei com um doutor capitão, para quem adorava bater continência
Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 14/05/2019
Reeditado em 14/05/2019
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