Ela voltou, graças a Deus.

Estavam todos reunidos na sala, sua filha Arminda viera de longe com seus dois filhos para passar com ela mais um aniversário. O marido não tinha podido ir. Tinha coisas para resolver. Tudo bem, já fora moça, com muitos afazeres, por isso compreendia a ausência do genro, era natural que desse mais importância aos afazeres da vida, de onde tirava o sustento da casa. Mané, seu filho mais moço também estava presente, junto aos dois filhos que sustentava sozinho após o fim do seu casamento. Meninos danados esses de Mané, não paravam quietos, bagunçava tudo e o pai parecia nem ligar muito, vivia mais preocupado com o campeonato de futebol, esse sim, merecedor de toda sua atenção. A casa estava cheia, quatro netos, os dois filhos e Irene, a amiga inseparável, juntos comemorando seu aniversário. O marido, esse já morrera, infelizmente mais uma vítima do cigarro, coitado, tinha tanta vida pela frente, um bom sujeito, trabalhador e atencioso, não deixava faltar nada em casa. Vivera com ela todos esses anos, com altos e baixos, é verdade, tinha discussões, brigas, caras feias, mas tudo se arranjava. Infelizmente o vício do cigarro o levou. Fazer o que?. Faz parte da vida.

Sua única tristeza, quase uma melancolia permanente era sua filha que nunca conhecera. Lá pelas tantas, adolescente ainda, engravidara de um malandro conhecido do bairro. Relacionamento fútil, de poucos meses, não entendia até hoje como pôde tudo isso ter acontecido. Deixara-se levar pela imaturidade da idade. Seu pai, ao tomar conhecimento da gravidez, decretara que ela jamais cuidaria do filho. Na própria maternidade seria entregue para adoção. Seia tudo providenciado sem que ela, a própria mãe da criança, criança também segundo ele, tivesse qualquer interferência. Estava decidido e não haveria mais nenhuma discussão.

Os meses da gravidez eram de angústia e aflição. O medo de perder o filho a aterrorizava em todas as noites, impedindo o sono até que a exaustão do corpo a dominasse ao ponto de fazê-la dormir. Tudo parecia ser na sua vida um labirinto sem saída. Não tinha idade nem emprego para se manter longe de casa, nenhum parente a ajudá-la, ninguém por ela . Só restava-lhe a resignação e a esperança de uma família para adoção que fosse de boa índole. Deus por certo nisso ajudaria. A fé foi sua única companheira durante os nove meses de gestação.

Após quarenta semanas de tristeza, chegara finalmente o dia do nascimento. Fora uma menina, assim lhe contara a enfermeira após acordar da cesariana. Disse-lhe que era linda. Nascera com todos os indicadores absolutamente normais. Seria uma criança saudável. Trilharia a vida que Deus tinha-lhe preparado e quem sabe um dia seria feliz. Com uma profissão, talvez com uma família formada. Marido e filhos para criar. Era tudo que podia desejar-lhe.

Os anos passaram rápidos, vieram as festinhas com amigos, a conclusão do curso médio com notas medianas, os vários namorados, amigos, o primeiro emprego, o casamento e finalmente os dois filhos. Sua vida tinha voltado a normalidade após o nascimento de sua primeira filha. Apenas uma enorme sensação de vazio não lhe saia da cabeça. A presença constante da tristeza sempre a rondar seus pensamentos por causa da dor da separação de sua primeira filha, que nunca conhecera. Comemorava silenciosa o aniversário dela. Todos os anos, na mesma data, recolhia-se solitária e pensativa. Seus filhos e o marido sempre respeitaram estes momentos. Queria ficar só. Eram-lhe muito íntimos seus pensamentos para compartilhar com mais alguém. Assim se passaram os anos e assim haveria de ser sempre, até que Deus também a levasse, tal como acontecera com seus pais, que cumpriram à sua maneira, a missão de suas vidas, educando e protegendo seus filhos.

Voltava agora sua atenção à sua festa. A mesa estava bonita de se ver, a torta de morango, os docinhos, brigadeiros. Tudo muito arrumado para os parabéns. Seira mais um momento de piadas, brincadeiras e chacotas entre a família e a vizinha Irene. De repente, uma surpresa. Um carro pára em frente e uma jovem salta e se dirige à casa. Vai ao seu encontro curiosa de saber quem é. A jovem, ao se dirigir ao portão sorri um sorriso molhado de lágrimas e a chama de mamãe.

Embaraçada, seus olhos se iluminam e a emoção bate forte ao ouvir que aquela jovem bonita era sua filha, a quem remetia as orações a Deus para iluminar-lhe o caminho durante todos estes anos de vida. Como seria possível ?. A filha, como prova do que estava afirmando, mostrava agora a bonequinha de pano que sua mãe adotiva recebera da enfermeira. Recorda-se nitidamente dessa bonequinha. Entregara realmente à enfermeira na esperança de chegar às mãos de sua filha algum dia em que fosse mocinha. Era a única coisa que a poderia ligar à sua mãe biológica. A enfermeira de fato a entregara à mulher que viera pegar a recém nascida, mas escondera dela o que fizera de verdade, dizendo-lhe, coagida pelo seu pai, que tinha jogado a bonequinha no lixo. Seia melhor para ela, ajudaria a esquecer esse fato em sua vida e a faria seguir em frente cuidando de sua própria existencia.

Passados esses anos todos, a mãe adotiva finalmente contara-lhe tudo a respeito de seus primeiros momentos de vida. Fora buscá-la no Hospital porque perdera a esperança definitivamente de engravidar após vários exames a que tinha se submetido. Dera-lhe um lar feliz, cercara-lhe de carinho e atenção e agora, fraca de saúde, resolvera dar-lhe a boneca e revelar quem era sua mãe biológica e onde morava. Guardara esse segredo durante toda a vida. Todas as informações obtivera de um detetive particular que contratara com o objetivo de um dia compartilhar com sua filha adotiva. Agora sentia-se livre, tirava um enorme peso na vida.

Sentada no banco de trás do carro, a mãe adotiva observa o encontro das duas, mãe e filha, em um abraço emocionado. Suas faces enrugadas esboça um sorriso a vê-las. Faz sinal ao motorista. O carro acelera. Faz uma manobra devagar na rua. Desaparece ao dobrar a esquina. Mãe e filha certamente teriam muito que conversar.

Cabedelo, 18 de maio de 2019