SILÊNCIO EM PORTUGUÊS

"Não faças da sua vida um rascunho.

Poderás não ter tempo de passá-la a limpo."

Mário Quintana

O táxi parou e dele saltou um homem de mais de trinta anos carregando uma mala. "Seja bem-vindo, doutor ", despediu-se o taxista. Por alguns minutos se deteve em frente à casa pintada de azul e branco. Por fim, empurrou o portão, que, como sempre, estava aberto. Sorriu e resmungou "Teimosa". Olhou o jardim cheio de flores: rosas, dálias, papoulas, e a sua predileta , orquídeas . Beleza, magia, perfume. Pensou: será que ela ainda conversa baixinho com as flores todos os dias ?

As vinte e cinco anos, diplomado e desempregado, sem perspectivas de um emprego estável, porque o Brasil estava em crise, aceitou a sugestão de um parente para que tentasse um emprego no exterior. Singapura, China,Japão, que, na época, devido ao alto nível de desenvolvimento , eram chamados de Tigres Asiáticos. Então, partiu, planejando voltar em dois ou três anos. Trabalhou, estudou e os anos passaram.

A Língua Portuguesa silenciada, arquivada na memória. Às vezes, lembrava de Gonçalves Dias : "minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá".

De repente, uma cachorra avançou, latindo furiosamente. Sorriu e disse: " Penélope, não está me reconhecendo? Sou eu , Ulisses. Tudo bem, você era um filhote". A cachorra se aproximou desconfiada, cheirou,soltou um latido de alegria em português, e se jogou em cima dele.

Oito anos haviam se passado. Longe de sua terra, de sua gente, de sua língua. Sem ouvir os muitos falares : óxente, uai, ô meu, bah, mano, cara, sô. Amores? Ouviu e disse alguns : I love you, Je t'aime, Ich liebe dich. Mas nunca um sussurrado "Eu te amo" entre mornos lençóis.

A trabalho, esteve cinco dias em Lisboa . A nostalgia o abraçou, enquanto passeava pelo Castelo de São Jorge, o Mosteiro dos Jerônimos, a Praça do Comércio. Lembrou de uma música antiga de Chico Buarque: "Têm dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu". Em uma livraria, comprou vários estimulantes e vitaminas: Machado, Quintana, Drummond, Bandeira, Amado, Clarice, Cecília, Raquel. Decidido, voltou para Singapura.

Um ano depois , ei-lo empurrando a porta da sala que, como sempre, estava aberta. Sorriu, resmungou : "Teimosa". O cheiro do café recém coado inundava a sala. Ouviu uma voz doce e cansada:

- Quem está aí ?

- Sou eu, Mãe.

Malinche
Enviado por Malinche em 05/07/2019
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