O REENCONTRO DE GOVINDA E SIDARTA

Depois de atravessarem para a outra margem, o balseiro se despediu desejando à Govinda paz no caminho. Govinda atrasou o passo, o rio estava em silencio. A mão suspensa na direção do balseiro estremeceu: o balseiro era Sidarta!

Ali sentado à sua frente o balseiro que o atravessara duas vezes o rio era o homem que estava procurando há muitos anos. Sidarta tinha sido seu senhor e seu melhor amigo.

Por medo, Govinda não o abraçou. Não disse uma palavra. Certamente o príncipe não o reconhecera depois de tantos anos. Então Govinda se aproximou e pediu que o balseiro beijasse sua testa.

_ Faça isso e sigo meu caminho. Teria dito Govinda.

O balseiro assim o fez. Colou seus lábios na testa do outro e beijou-o.

Quando abriu os olhos, Govinda teve a impressão de ver sobre a face iluminada deste Balseiro um véu translucido em movimento. Era a pele do rio, superfície liquida onde encontrava paz a voz ancestral multiplicada na face do mestre.

Os sentidos de Govinda o enganavam? Ele não via mais um rosto onde antes via apenas a face de um velho balseiro. Govinda via um menino triste que pedia ajuda com seus olhos de esperança; via uma prostituta sorrindo maliciosa escondendo o medo da solidão; via um pai chorando a morte da filha; via uma mãe tremendo de felicidade com o recém-nascida nos braços; via um mendigo agradecendo o prato de comida, via um rei perdoando sentença de morte, via o transexual humilhado, via uma mulher traída; um marido ciumento; uma noiva abandonada; o sangue nos olhos do assassino; a doçura no desejo dos amantes; a clemencia, to error e o medo. Govinda via o alfa e o ômega, o princípio e o fim.

Govinda percebeu que não respirava, pensou que as lágrimas turvavam sua visão. Secou os olhos e de novo mirou a face do balseiro. O véu se movia debaixo da face líquida era uma infinidade de outros rostos compondo uma face disforme mas harmônica que era ao mesmo tempo um e todos.

Govinda percebeu que Sidarta havia finalmente encontrado a iluminação e desejou ficar com ele deste lado do rio mas quando abriu a boca para dizê-lo as palavras turvaram a superfície cristalina do rosto do balseiro antes mesmo de serem proferidas antes mesmo que pudesse abrir a boca.

Govinda afastou um passou, baixou a mão e curvou a cabeça. Seu coração era do tamanho do mundo. Sentiu um aperto na alma. Sentiu que precisava caminhar e percebeu que o mundo, como ele, não tinha abrigo, ou braços que o abraçasse ou casa para seu descanso.

Com os olhos perdidos na doçura que emanava do amigo, Govinda baixou-se até o chão. Curvou-se numa dobra que o fez menor e beijou os pés de Sidarta.

Decidido, Govinda partiu. Entrou na mata de onde olhou pela última vez rio, canoa e balseiro. Ali onde a margem faz uma curva, Sidarta desapareceu.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 09/07/2019
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