COMO ENROLAR UMA GRANDE PROFESSORA E TIRAR DEZ...

Minha PRIMA estava terminando o bacharelado de Letras numa faculdade federal e fez amizade com um geniozinho ambulante. Nada de '-inho' fisicamente. pois ELE era alto e gordo, ELA um tanto baixinha e miúda. Lembravam personagens muito antigos: *O Gordo e o Magro, em especial porque ELE usava um chapéu redondo comprado em antiquário. Durante um ano, MARLENE trabalhara num projeto chamado Iniciação Científica na biblioteca da faculdade, fichar livros e atender usuários, e por mais dois anos executou o trabalho de fichas em outro ambiente - era íntima de todo mundo, indicava e localizava com facilidade os livros adequados a este ou aquele trabalho. ----- "Pena que só foi agora que nos cruzamos..." - ELA dizia. ----- (Ainda ficaram mais um ano juntos para a licenciatura pedagógica.) ----- O rapaz, muitíssimo inteligente, sabia tudo de literatura, mas nem com muito esforço aprendia o nome da companheira de aulas - combinaram que ELE seria sempre LUIZ EDMUNDO e a chamaria com qualquer nome tendo letra inicial M. Deixava recados com a faculdade inteira: "Se você encontrar a Marcela, não, EU quero dizer a Míriam... ou é Moema? Ah, sei lá, diga que..." Todos conheciam e ajudavam a procurá-la. ----- Dizem que o verdadeiro gênio é assim alienado - só fixa assuntos culturais, e brilhantemente. A lenda fala de Einstein reprovado na adolescência, não sei. ----- A professora de Literatura Hispano-Americana dividiu a turma em grupos e propositalmente separou LUIZ EDMUNDO de minha PRIMA, pois a intenção era um único aluno criativo como orientador de cada grupo. Turma muito grande, programação extensa para um único semestre - uns grupos apresentariam seminário, isto é, trabalho oral e outros entregariam por escrito. Quando muito, como disse a professora, ainda fez a concessão de dar o mesmo tema para os diferentes grupos de MARLENE e de LUIZ EDMUNDO, pois este alegou que estudariam juntos, visto que as residências eram "muito próximas" - super mentira, a mais de uma hora de distância em viagem de ônibus, a turma em gargalhada com o cinismo do aluno gênio. ----- MARLENE rompia madrugada lendo, pesquisando, aplicando teoria literária aos romances lidos, mania de perfeição. Brilhante também. Só não era gênio alienado. ----- Teriam que analisar a *novela DONA BÁRBARA, do venezuelano RÓMULO GALLEGOS, escrita em 1929. Fala de barbárie, campesinato, violência, expropriação de terras etc. Temática 'bota-pesado-nisso'......... ----- ELE trazia todo dia uma bolsa repleta de sucos, frutas e sanduíches, a mãe preocupada com uma doença que o levara a hospitalizar-se inúmeras vezes lá no "passado" da adolescência. Numa dessas distrações de distribuir comida excedente a outras pessoas (já era alienado...), não prestou atenção na data agendada para o grupo dele, quem eram os colegas, qual parte do livro e tema teórico a ser abordado. Os outros confiando e LUÊ totalmente fora de órbita, pisando na lua como astronauta que vai tomar chá turco em companhia de São Jorge e confunde o dragãozão com um verde iguanazinho mexicano... ----- Por acaso, se encontraram ainda na rua. ELA perguntou sobre o seminário dele... não sabia de nada! Não lera a novela, não sabia tema, assunto, enredo, personagens, nada de nada............................. ----- "É hoje, LUÊ. O seu grupo vai apresentar o seminário e o meu grupo entregará por escrito." ----- LUÊ se apavorou em fração de minuto, pois seria um único trabalho valendo aprovação ou reprovação naquela matéria. Fracasso na vida dele?! Ah, não podia, não! ----- As aulas de BELLA JOZEF eram concorridas, ocupando a maior sala da faculdade, lotada de cadeiras - judia, autora de muitos livros, crítica literária, vários prêmios nacionais e internacionais, inclusive da OEA, cultíssima e severíssima, porém muito amada, a maçã com mel do Rosh Hashaná (Ano Novo)! ----- Os grupos não tinham estudado coisa alguma, confiantes em seus líderes. E ESTES bolaram juntos um plano altamente secreto e malicioso - maléfico, não. Entraram na sala com arzinho de santidade: DOIS "anjinhos", encantos de candura. ----- Ninguém ausente neste dia, muito mais por causa do famoso LUIZ EDMUNDO. Professora anunciou o primeiro grupo de............... Leu os nomes. Esticou a mão para pegar a papelada. MARLENE com um trabalho de verdade e LUIZ EDMUNDO com um monte de folhas soltas que achara sabe-se lá onde, mais rabiscadas que escritas. ----- A turma toda assistindo, sem perceber ainda o que de fato acontecia no cenário estudantil. Nenhum dos DOIS entregou, recolheram as mãos, professora recuou a mão também, ELES esticaram. E ficaram nisso, a "coitada" esticava a mão para um, para outro, ELES bem calmos recolhiam os papéis, numa situação tensa e ridícula em poucos segundos. ----- Mestra desistiu e já não sabia qual grupo era por escrito, e o outro oral. ----- "E quem vai apresentar, ora bolas, finalmente?" ----- A dupla de exóticos atores improvisou uma gargalhada. ----- "EU!!! Esta bruaca (pediu desculpas depois - falou numa falsa agressão, nem sabia o que era bruaca: mulher desqualificada) é que roubou as minhas ideias quando o pessoal todo foi estudar lá em casa..." ----- "Mentira, fessorinha, ELE quer é aparecer..." ----- Só aí a plateia começou a desconfiar. A professora já estava, como se diz popularmente, de 'saco cheio', deu uns bons berros, mandou que fizessem como quisessem e resmungou talvez algum xingamento em ídiche ou hebraico, porque aos ouvidos deles foi uma única palavra em som totalmente desconhecido. ----- MARLENE sorriu docemente, falou "Shalom!" em voz melosa, e com isso desmontou a catedrática vagamente enraivecida. ----- Começou o "teatro". ----- Minha PRIMA trocou de cadeira, sentou-se de lado, ao mesmo tempo virada para o auditório e para o quadro-de-giz. Um olho no padre outro na missa. ----- Apresentava as ações dos personagens, ou seja, a estória propriamente dita e o 'resumo resumido' da teoria literária ensaiada pouco antes com o... sócio literário, digamos assim. ----- Ao mesmo tempo, LUÊ fazia em silêncio rápidos esquemas no quadro-de-giz; depois ELA ficava quieta e ELE dissecava oralmente os capítulos de uma teoria, resumo já exposto no quadro em complementação ao que a amiga falara (e quase todo mundo copiando nos cadernos) - explicaram ("sem complicar", foi o que MARLENE me contou) as diferenças entre tragédia e comédia, depois arquétipos, mitos, o mito dessa estória no contexto de determinada estação do ano, tudo interligado. ----- A super mestra sorria com as teses apresentadas e sacudia a cabeça em sinal de aprovação, fazendo gestos de bater palmas sem um único ruído. ----- Ao final, pediu silêncio geral, disse que tinha sido "enganada" por uma brilhante DUPLA, que não teria este sucesso todo, caso um entregasse por escrito e outro apresentasse oralmente. ----- "Foram complementares, excelentes, e a nota é A sem contestação. Parabéns!" ----- Sorvete na cantina para comemorar! ----- UÊ desabafou: ----- "Que sufoco, MARLENE (esqueceria o nome tempos depois)! Do livro?!... Ah, sim, EU sei apenas o nome da novela, do autor e o amarelo da capa do seu livro." ----- "Errou. LUÊ. A capa é verde!"

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LEIAM meu trabalho "Anúncio há que ser criativo" - Parte IV (narrando aventura de Luiz Edmundo).

NOTAS DO AUTOR:

*1-O norte-americano OLIVER HARDY, o Gordo, e o britânico STAN LAUREL, o Magro, formaram de 1926 a 1950 a mais famosa dupla cômica do cinema; em 1927 realizaram 13 comédias de sucesso. Com um humor inteligente e visual, em 1929 a dupla entrou sem problemas no cinema falado, chegando a um total de 99 filmes.

*2-Novela, estilo literário (não confundir com telenovela, embora esta possa se basear no enredo daquela). Novela literária - ações individualizadas, um personagem em destaque, intriga menos complexa, narrativa mais breve. Romance - várias ações, vários acontecimentos, intriga mais complexa, maior profundidade do estudo psicológico dos personagens.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 11/07/2019
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