VIVE LA FRANCE!


1 -- Contaminada pela atmosfera existencialista, FRANÇOISE SAGAN (peudônimo de François Quoirez - 1935/2004), escritora francesa, tomou 'emprestado' o SAGAN de uma heroína de Marcel PROUST. Para seu professor de filosofia, ELA parecia mais notável por sua facilidade que pela profundidade do pensamento; para Alain ROBBE-GRILLET, também escritor e cineasta do 'nouveau roman', escrevia com facilidade talentosa, mas apressada, tendo uma grande necessidade de dinheiro: mais super intuição e vontade de viver que o vigor intelectual - romantismo voluptuoso. Fã do poeta MUSSET, versátil-inquieto-louco-desordenado-alcoólico-excessivo, renegando o calor generoso e aplicado de GEORGE SAND. Em SAGAN, vida e obra se mesclaram. Escritora de sua época e de seu tempo, tentou lutar contra as desigualdades e mergulhou no cotidiano em desnudar o social. Estreou aos 18 anos (vinte anos avançada para o seu tempo), em 1954, com BOM DIA, TRISTEZA - mesmo para os padrões já modernos do pós-guerra, a protagonista Cécile, adolescente, ex-interna como estudante do Sacré Coeur, passa tranquila sua "primeira vez", não culpada ou constrangida - linguagem aberta sobre sexo, adultério... em desenvoltura e conhecimento surpreendentes. Milhões de exemplares vendidos no mundo, SAGAN "amanheceu" escritora, numa vontade imensa de viver e se expor que nunca recuava. Muitas obras a partir daí... Linguagem simples, clara e sincera, naturalidade ao dizer coisas intocáveis. Personagens desenvolvidos na linha da liberdade, no vazio que os cerca, entre prazeres físicos e reais, vida liberta de 'fórmulas' morais, em triângulos amorosos, pouco importando o preço para o amor. Uniões e separações sem formalismo e noções de fidelidade-compromisso que são os aborrecimentos da vida cotidiana. Sim, mundo sensual, amoral e sem valores, seres condenados ao vazio, a posse física sendo a única resposta à nausea, termo de sentido existencialista - náusea, doença da alma pela incapacidade de 'cair de si próprio'. Necessidade de procurar a felicidade e também - como PROUST - o tempo perdido e sinais para esta procura. Jogo de autobiografia em muitos de seus livros. Vinte anos depois publicou UN PROFIL PERDU, agora na casa dos quarenta, já sem escândalo sobre o que se tornou trivial, moralismo decresceu, mulheres se tornaram mais livres, conquista do século sobre uma permissividade quase total.

2 - Apelido JUJUBE, como os amigos existencialistas a chamavam nos anos sombrios do pós-guerra - magra, morta de fome, precisava cantar para sobreviver. JULIETTE GRECO (nascida em 1927), atriz, cantora e musa do Existencialismo. "Jujube", o título de sua autobiografia (Paris. dezembro/1982), balada nostálgica dos velhos e bons tempos. Foi amiga íntima e inspiradora de Jean Paul de SARTRE, de Albert CAMUS e de Jacques PRÈVERT, dona possivelmente de 'segredos sensacionais'. Olhando ao redor e vendo nas ruas a geração de 18 anos, de posses, vestindo-se, (des-)penteando-se e dançando como ela em 1945 (fim da II GM), sentia-se feliz pelo que inventara, não por esnobismo e sim por necessidade numa vida de grande melodrama. Aos 18 anos, fugiu da Gestapo que levou toda a família para os campos de concentração, desembarcou em Paris sem dinheiro, no bolso o endereço de Heléne Le Duc, dona de uma pensão para artistas arruinados, no bairro de Saint-Germain des Près, bairro da intelectualidade. A garota num olhar duro e frieza de quem já sofrera muito, sempre maltratada pela mãe que se envergonhava dela, nascida em consequência de um estupro; nunca soube quem era seu pai... Na pensão, comida e cama e pela primeira vez carinho humano. Frio, ELA, sem roupa adequada, aceitou de um pintor-hóspede o presente de uma calça larga e um pulôver preto, longo (como narrador, EU digo "chapliniano"). Sim, o que aumentava ainda mais a magreza, virou seu uniforme... artístico, indicando-a como pessoa à margem da sociedade, na junção de marginal e sofisticada. Vestida de preto, conquistou aquele bairro tranquilo, construído em torno de uma igreja provinciana. Nos bares e cafés, a fauna existencialista tomou no pós-guerra o lugar dos professores e estudantes - durante um café com leite no Deux Magots, conheceu Maurice Marleau PONTY, filósofo fenomenológo que se fez "pigmalião" (leitor conhece as várias versões da estória?) e transformou-lhe a vida. Os amigos SARTRE, Simone de BEAUVOIR e CAMUS também a adotaram, mudando o visual e levando aos lugares em volta, França em 1945 recém-liberta da guerra e dos horrores nazistas: recuperar o tempo perdido. Grupos de músicos, escritores e artistas acabando com tabus e convenções, vivendo em comunidades, hotéis baratos de Saint-Germain. Boêmios que trocavam o dia pela noite, inventaram os café-teatro, a câmera móvel e os primeiros programas de televisão. Pobres, porém criativos, lançaram o que assustou a tradicional burguesia europeia: jazz, amor livre e......... a falta de higiene; tiques e manias de Juliette eram copiados pelas mulheres da alta sociedade, pode? Faltava-lhe, para se tornar uma estrela, uma atividade artística: Sartre sugeriu que declamasse poemas e escreveu lindos textos para ELA ler. Simples começar a cantar, voz rouca e sensual, contrária aos padrões da época, e realçou assim os poemas existencialistas. O triunfo não durou muito tempo. A fama dos existencialistas se universalizou, o bairro ficou cheio de turistas e de dinheiro, o que espantou artistas e intelectuais para outros lugares. Sartre morreu em Montparnasse, Camus morreu e Juliette, ironia do destino, aceitou proposta de Darryl ZANUCK, roteirista e cineasta estadunidense para fazer cinema em Hollywood. Na autobiografia, ao recordar, tratou o passado com discrição e não escancarou escândalos, confidências apimentadas sobre homens com quem conviveu, sem denúncia, apenas um perfume de nostalgia dos tempos em que Saint-Germain era o centro do mundo.

DE PROUST - "É muito raro que a felicidade se venha justapor exatamente sobre o desejou que a chamou."

DE ROGER VAILLAND - "Amor é aquilo que se passa entre duas pessoas que se amam."

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NOTAS DO AUTOR:

Alfred Louis Charles de MUSSET (1810/1857) - poeta, novelista e dramaturgo francês do século XIX, dito "o mais clássico dos românticos e o mais romântico do clássicos". Filmes franceses que inspirou: "Mimi Pinson", inspirado em poema do mesmo nome, 1958; sua obra "A confissão de um filho do século", estória passada em Paris, 1830 (na verdade, autobiografia anônima dedicada a George Sand, rompido o relacionamento amoroso), foi adaptada para o filme "Confissões de um jovem apaixonado", 2012.

GEORGE SAND (1804/1876) - Pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin, baronesa de Dudevant, romancista e memorialista francesa, considerada a maior escritora do país - escreveu romances, contos, peças teatrais e biografias - chocou a sociedade do século XIX ao usar calças compridas.

Marcel PROUST (1871/1922) - Escritor francês, mais conhecido pela obra "À la recherche du temps perdu", 7 volumes, publicada entre 1913 e 1927. Influenciado por Flaubert e Balzac. Prêmio Concourt em 1919.

JULIETTE GRECO - Em "Bon jour, tristesse", filme norte-americano de OTTO PREMINGER, 1958, canta a música-título.

FONTES:

"Presença de Francoise Sagan" - Rio, jornal O DIA -- "Anos 50 (e chavões) revisitados: Sagan, em busca do tempo perdido" e "Sagan entre a vida e a literatura" - Rio jornal O GLOBO, sem data e 21/7/01 -- "Quando Saint-Germain era o centro do mundo, a vida sofisticada da musa existencialista" - Rio, jornal O GLOBO, 19/12/82.

F I M
Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 27/07/2019
Reeditado em 29/12/2020
Código do texto: T6705805
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