Um passeio inusitado com minha mãe, visitar tua irmã idosa.
Quando cheguei, fiquei deslumbrada com o lugar: uma fazenda bem antiga, com curral, celeiro, galinheiro enorme uma paisagem de filme.
Quando entramos somente minha tia e teu marido nos recebeu, conversávamos e de repente vi um rosto nos olhando através de fresta da porta que estava entreaberta, fingi que não vira. Aos poucos apareceu uma filha, outra, mais outra, um filho.
Só bem mais de tarde que o rosto atrás da porta apareceu. Uma menina loura e muito desconfiada.
Com as camas já arrumadas assustei quando davam boa noite e nem mesmo eram 20 h, e... como faria para dormir tão cedo!
Minha mãe aconselhou-me a ficar bem quieta porque na manhã seguinte iríamos ter um dia muito movimentado.
Custei a dormir e ouvia uns barulhos estranhos que confundida eu não sabia se era lá de fora ou dentro da casa.
4 h ainda escuro a casa estava acordada!
Cheiro de café, bolo assando, vozes e risos… olhei para o lado e nada de minha mãe!
Resolvi levantar e lá estava ela enrolando biscoitos… as vozes calaram-se e os risos abafaram-se… minha tia sentada, no borralho do fogão a lenha, sorrindo me chamou para conversar.
Tomamos café com as merendas que já estavam prontas.
Contei da dificuldade para dormir e dos barulhos. Minha tia disse que era apenas vento.
Ao sair lá fora a pequena Nina estava atrás de mim. Andei para um lado para outro e ela sempre perto e calada.
Num banco abaixo de uma janela sentei-me peguei meu caderno e comecei a escrever, ela sentou-se também. Ficamos ali por horas e sem falar nada!
Chamadas para almoçar, olhei o relógio era 9 h, o horário que normalmente estaria tomando café se estivesse em casa.
Assim que me sentei na mesa parece que as filhas foram repreendidas, conversavam entre si e olhavam para mim, até que uma delas dirigiu-se a mim, perguntando como era minha vida na cidade grande.
Senti-me aceita pelo grupo familiar!
Quando terminamos, a pequena segurou minha mão, levou-me para passear, caladas!
Fiquei aguardando ela dizer algo, mas nada! Pensei até que fosse muda.
No susto de um boi correndo em nossa direção ela gritou: fique quieta!
Só que quando ouvi o conselho já estava correndo em direção a casa e o boi atrás, meu primo a uma certa distância jogou um laço e o parou pertinho de mim. Minha perna, tremendo e com uma baita vontade de chorar, vi todos na varanda da casa morrendo de tanto rir.
 Fui para o quarto e fiquei lá um tempo, minha mãe chegou tentando me consolar e eu querendo ir embora o mais rápido que pudesse.
Tentando não rir ela acalmou-me e disse que isso acontece sempre e que o certo é ficar parada bem quieta que o boi passaria direto.
A partir daí fiquei sendo mimada por todos… e a noite o assunto foi justamente o ocorrido com o boi sansão atrás de mim, fazer o que, também achei engraçado.
Nina a pequenina que me avisara chegou bem perto e disse: vou cuidar de você!
Na hora de dormir, deitou-se ao meu lado, e começou a contar estórias da fazenda:
-Tem um fantasma antigo que mora aqui quando der meia-noite ele anda pela casa toda para ver se estamos sendo cuidadosos com o que ele construiu, antes de meia-noite ele caminha ao redor  protegendo-a de algum inimigo.
— Então não era vento. Ontem era ele?
Ela confirmou com a cabeça, ao fazer esse movimento com a chama da lamparina apareceu um vulto na parede,
 ela rindo disse é só minha sombra quer ver?
E começou a fazer movimentos com a mão e formando várias imagens na parede de passarinho, cachorrinho e mais outros que me deram um sono danado.
Nem sei se ela dormiu logo depois, 4 h de novo estávamos de pé!
Pegando o caderno e sentando no banco, dessa vez não tive companhia, hora do almoço!
Sozinha atrevi-me a percorrer a casa toda: 16 quartos, 3 salas, 4 banheiros turcos, que para mim era uma coisa desajeitada, um cômodo trancado com um cadeado e um trinco bem grande.
A tarde toda procurei pela Nina e nada! Imaginei que ela estivesse trancada naquele cômodo, fui atrás de minha mãe para perguntar.
Não ela foi ao médico hoje bem cedinho daqui a pouco ela volta.
Quando ouvi todos indo para a varanda porque meu tio e a Nina estavam chegando a cavalo,
ela estava no colo dele e meio pálida, foi carregada para o quarto.
Fui até lá para conversar e ela muito fraca sussurrava que estava tudo bem.
Perguntei a minha tia qual a doença dela.
Ela faz hemodiálise e fica assim por um dia apenas, amanhã estará bem melhor!
E que já estava na lista de espera por doadores.
Fiquei pensando nisso vários dias. E minha amiguinha sempre ao meu lado me protegendo!
Um dia perguntei sobre o cômodo que vivia trancado.
— Quando eu tinha dois anos uma bruxa entrou aqui e roubou meu rim bom e deixou um ruim, então meu pai a trancou lá dentro até ela fazer a troca. Resolvi que uma noite qualquer eu iria abrir o cômodo e ter uma conversa com a bruxa e, se encontrasse o fantasma também pediria sua ajuda porque tinha um inimigo dentro da casa.
Comecei a observar onde ficavam as chaves e deparei com um molho delas, cada dia quando ninguém observava eu testava uma ou duas no máximo.
Levou dias até encontrá-la e na mesma noite após 10 h todos dormindo eu peguei a chave fui com muito medo ao encontro do fantasma e da bruxa.
Por mais devagar que eu andasse, surgia um barulho de pés nas tábuas do assoalho, olhei para trás nenhum fantasma e na minha frente também não, talvez estivesse a minha procura.
Abri o cadeado porém o trinco não se mexia por mais que eu tentasse.
Fui ficando desesperada com o baralho dos pés e com o trinco emperrado.
Do nada o barulho de passos acabou e o trinco ficou tão vermelho que parecia estar sendo aquecido a uma temperatura muito alta, enquanto, que eu gelada ficava olhando.
Mesmo com muito medo pus a mão e ele abriu.
Entrei no cômodo e vi uma caixa enorme no chão, abri e encontrei um vestido e um véu preto, e um pano branco que parecia estar enrolando algo, peguei-o e senti um pulsar diferente entre as mãos. Saí rápido e fui até Nina e coloquei-o em cima de teu pequeno corpo.
Deitei ao teu lado com o coração pulsando forte!
De manhã um alvoroço danado meu tio gritando, minha tia chorando, minhas primas espantadas e minha mãe olhando-me com um jeito esquisito.
Fiquei calada esperando o resultado de tamanha confusão de palavras e choro misturados.
Após um bom tempo minha mãe explicou que era de tradição quando a matriarca (a avó do meu tio) morre separa um cômodo para que ela se sinta em casa e com isso guardam o vestido que ela mais gostava, o véu e coloca-se em uma caixa para seu descanso eterno e que alguém fora perturbar seu sono, encontraram o cômodo aberto!
Fomos até lá e vi muitos retratos de pessoas no caixão como era de costume antigamente.
Não me atrevi a falar do trinco que ficara vermelho e muito menos do lenço branco que deixei com Nina.
Depois disso o quarto voltou a ser fechado com outro trinco.
Fiquei assuntando um cochicho aqui outro ali para escutar algo sobre o fantasma, fui ao quarto de Nina e perguntei: _cadê o lenço branco que deixei com você?
_ não há nenhum lenço branco.
Procurei por debaixo das cobertas, embaixo da cama e nada!
Que agonia passei e sem poder falar com ninguém, esperei a noite chegar e procuraria o fantasma para saber se ele estava com o lenço!
Fui andando pela casa esperando ouvir os passos no assoalho, após eternos minutos ouvi um barulho não muito forte, já estava chegando perto do cômodo da Dona Eulália.
Para meu espanto o trinco estava aberto empurrei a porta e ela estava sentada numa poltrona.
Sorriu e disse: _ estive esperando você vir para salvar minha tataraneta.
_Coitadinha tanto sofrimento!
Dei um tchau e saí correndo para o quarto.
Passara uma semana e tínhamos que ir embora, com meus confusos pensamentos,  temendo estar ficando maluca com os acontecimentos.
Despedimos com alegria e tristeza também porque para mim com 8 anos  nunca esqueceria aquele passeio.
Hoje com 65 anos ainda converso com Nina que nem precisou fazer mais hemodiálise e tampouco cirurgia.

 

 
elaenesuzete
Enviado por elaenesuzete em 05/09/2019
Código do texto: T6737955
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