Aos trancos e barrancos (setembro de 2019)

Ele tinha a mania de pensar que não era amado. Para ele, não era amado pela mãe, pelo pai, pela família, pelos amigos e namorada. Por ninguém. E já não conseguia esconder seu pesar: faltava às reuniões de família e no natal restringia-se ao Whatsapp para enviar suas felicitações. Para ele, as pessoas já até começavam a notar seu isolamento.

A verdade é que ele estava enganado. As pessoas não o interpretavam como ele imaginava, não pensavam que Pedro se esquivava dos encontros familiares pelo motivo imaginado por ele. Seus familiares acreditavam que ele se ausentava como reflexo de sua timidez. Ninguém notava que isso acontecia por uma escolha consciente sua.

Os amigos não viam outra razão para Pedro não sair para uma noite de chope com eles que por conta da falta de dinheiro. Sabiam que ele fazia economia para comprar um carro. Não percebiam que o rapaz de vinte e quatro anos se ausentava porque não o amavam. Na verdade, nenhum amigo de Pedro notava essa mágoa em relação a eles.

Com a namorada, com o pai e com a mãe não era diferente: observavam que Pedro faltava aos compromissos, mas atribuíam sua ausência aos compromissos no trabalho. O rapaz era workaholic, verdade, pois parece que para sobreviver às ideias que o perseguiam se deixava afogar pelo trabalho. Trabalhava muito na empresa e em casa.

Pedro trabalhava em uma empresa de engenharia, onde seu sentimento de não ser amado por ninguém também se manifestava. Para não permitir que este sentimento o atrapalhasse no trabalho, falava pouco com os outros funcionários, mantinha-se o tempo todo ocupado, e procurava não olhar diretamente nos olhos de ninguém.

Por que motivo, para Pedro, haveriam os outros de não gostar dele? Seu sentimento de pouca valia atingiu um ponto em que por iniciativa própria marcou consulta com um psiquiatra. Este riu de Pedro quando ele lhe relatou o problema, o que fez com que o rapaz ficasse desconfiado. O psiquiatra também não o amava.

Por orientação do médico Pedro marcou uma consulta com um psicanalista. Às sete horas da noite, terça-feira, estava Pedro lá na sala de espera. Na hora marcada a porta se abriu e um homem careca, de blazer de lã marrom e gravata pied de poule, fez sinal para que entrasse. Acomodou-se em uma grande cadeira estofada.

O psicanalista não lhe disse nada, esperou que Pedro fosse o primeiro a falar. Isto causou-lhe certa estranheza, e fez com que sua tensão aumentasse. Transpirava tanto que o psicólogo lhe ofereceu lenços de papel. Ele agradeceu e, sendo assim, rompeu inesperadamente o silêncio que pairava sobre as cabeças.

“Doutor,” começou Pedro, “não encontro ninguém que goste realmente de mim”. O psicanalista não emitiu nem um ruído, acenando com a cabeça para que soubesse que o estava ouvindo. O rapaz emendou, choramingando, “estou sozinho, ninguém me ama”. Foi aí que o psicanalista entrou na conversa.

“Eu estou aqui te ouvindo.” E Pedro tomou um susto. Não esperava que o psicanalista se manifestasse por palavras. Continuou o psicólogo, “O que faz você crer que ninguém gosta de você?” E Pedro ficou confuso, pois não sabia o que falar. Pensou muito, uns dez minutos para dar uma resposta.

Disse Pedro, “Não saberia dizer o porquê, mas gostaria que acreditasse em mim, ou...” E o psicanalista o interrompeu, “ou o quê...?” Respondeu Pedro, “ou então estou mesmo ficando maluco.” O psicanalista gargalhou e Pedro não soube o que pensar disso, ainda mais confuso. Mas o psicólogo respondeu, “Não acredito que esteja maluco.”

Uma nuvem cinzenta sobre a cabeça de Pedro lhe pareceu dissipar por completo. Afinal, ele não estava maluco. O psicanalista interrompeu a consulta que já chegava ao fim. Combinou de se verem duas vezes por semana, na terça e na quinta-feira no começo da noite. Tudo certo, apertaram as mãos e Pedro caminhou até o elevador.

Saiu do edifício mais leve, de tal forma que sentiu até vontade de ligar para os primos e para os pais, para a namorada e para os amigos, apenas para saber como estavam. Sentiu a vontade de comunicar a todos que havia ido a um especialista e que descobriu que não era maluco. Mas toda essa euforia aos poucos foi se dissipando.

No outro dia, estava em sua mesa da empresa quando a secretária alertou Pedro para que atendesse a sua mãe ao telefone. Pedro recebeu a notícia com surpresa e certa alegria. Sentia saudades de sua mãe. Mas a alegria durou pouco, porque logo começou a gaguejar ao atender à ligação. Eram más notícias.

Um tio distante morrera e os serviços começariam aquela noite. Pedro conseguiu fingir sua mágoa por não ser amado pela mãe e desprezado pelo tio falecido. Demonstrou até algum interesse pela causa da morte do tio, e de verdade. Mas não iria ao velório por que tinha que trabalhar até mais tarde. Uma mentirinha.

Na noite seguinte, contou tudo ao psicanalista. Fora vitorioso ao enfrentar sua mágoa de não ser amado e sentiu até alguma saudade de sua mãe. O psicanalista limitou-se a dizer “Ainda falta algum tempo para falarmos de melhoras.” Havia muito a ser trabalhado com o profissional, mas o primeiro dia Pedro pensava ter tirado de letra.

A alegria de ter progredido em um dia de análise era genuína e Pedro estava jubiloso. Até que o psicólogo interrompeu, “o que lhe faz pensar que é tão importante para que ninguém possa amá-lo?” E continuou, “Uma pessoa que não é amada por ninguém... só pode ser alguém muito importante.” E Pedro se viu forçado a concordar.

Estava longe de uma cura para sua recém-descoberta neurose, mas Pedro acreditou estar no caminho certo. Realmente, via uma centelha de sua verdade saltar logo à sua frente. Muito sentido havia naquilo de não ser amado por ninguém ser o mesmo que superamado às avessas. Ou qualquer coisa assim. O resto é continuar o tratamento.