Saudade de Dom Hélder

Sempre que pintava sinais de desalento, o homem recorria a um antídoto que era tiro e queda para ficar de alto astral. Lia uma crônica de Dom Hélder no livro "Um olhar sobre a cidade", seu livro de cabeceira,uma coletânea das crônicas que o Dom do Amor lia todas as manhãs ao microfone da Rádio Olinda. Num dia que amanheceu meio jururu abriu o livro e leu a primeira dessas crônicas, leu baixinho comose rezasse:

"Se eu pudesse...

contrataria barcos que deslizassem suavemente, na hora que a Cidade colta e disparada para casa...

"Se eu pudesse, à noite, no caminho das pessoas desanimadas, pessimistas, amargas, revoltadas contra tudo e contra todos, arranjaria rodas de crianças brincando e cantando.

"Sozinha eu não fico

nem hei de ficar

pois uma dama destas

há de ser meu par...

"Se eu pudesse, na hora mas dura do enterro, quando o cixão é colocado terra a dentro, eu faria co que voasse sobre as cabeças dos presentes um bando de passarinhos, lembrando a Ressurreição...

"Se eu pudesse, pertinho das Casas em que houvesse pessoas se sentindo sós e abandonadas, haveria uma voz bonita cantando canções destas que não morrem, são sempre belas e vão diretas ao coração:

Sempre no meu coração...

Eu sei e você sabe...

Faz tanto tempo e eu me lembro sempre...

"Também serviria algum instrumento bem tocado, bem bonito, bem saudoso: um violão, um bandolim, uma flauta, uma clarineta...

"Tenho uma vizinha que tem o dom de adivinhar quando estou precisando de que ela toque, ao piano, musicas de sempre, mensagens de harmonia, de beleza de paz...

"Seu eu pudesse, na caminhada de quem enfrentasse estradas se f, sem luz, sem companhia, faria surgir vagalumes alumiando o caminho e colocaria nem que fosse cigarra para quebrar a solidão...

"Seu pudesse, ao cair da noite, todas as Igrejas tocariam o Ângelus, convidando a pensar em Deus, convidando a rezar... É uma hora diferente, tocada de graça... No cair da noite, até as pedras perdem a aspereza. Os enormes edifícios de cimento arado nao esmagam a gente: quase se harmonizam, perdem toda a agressividade...

"Se eu pudesse, as bandas de musica, de vez em quando, sairiam sozinhas, pelo Centro da Cidade e, sobretudo, voltariam a tocar retretas em pracinhas de subúrbio,onde se guarda mais simplicidade e, de certo modo, mais fineza... Há dobrados que ficam para sempre no sentido da gente...

"Se eu pudesse, de vez em quando, estenderia no céu o aro-iris e descobriria um jeito do aro-íris aparecer de noite... Seu eu pudesse daria ao arco-íris a força mágica de desfazer ódos, intrigas, divisões, de modo que ele valesse, de fato, como sinal de entendimento, de amzade e de paz.

"Ah!Se eu pudesse!...

"E se vocês pudessem, o que aconteceria?...".

Passou totalmente os sinais de desalento. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 20/09/2019
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